Thursday, March 29, 2012

Espinosa

Visto por muitos de seus conterrâneos como inimigo da Igreja e do Estado, Espinosa foi combatido e ofendido em não poucas obras de sua época por ilustres pensadores como Voltaire e Leibniz, embora tivesse admiradores não menos importantes como Goethe e Herder. Transitou entre o maldito e o bendito (Baruck) que carregava no nome.
Ele nasceu em 1632 em Amsterdã numa família judia vinda de Portugal por causa da Inquisição. A comunidade judaica não o aceitava por criticar as contradições do Antigo Testamento. Foi perseguido, expulso e amaldiçoado pela sinagoga. Para sobreviver, fabricava cristais de lentes. Lutou por defender a liberdade de pensamento, pois a falta dela criaria a corrupção, a falsidade e a hipocrisia.
Morreu solitário aos 44 anos sem que o mundo conhecesse suas obras mais importantes. A solidão, o anonimato e a coleção de inimigos foram suas marcas na curta trajetória neste pequeno planeta.
Como bem disse Novalis, “Espinosa é um homem ébrio de Deus”. Diferentemente de Descartes, para ele a filosofia começava com Deus, enquanto que para o francês, a certeza de Deus vinha da certeza de si mesmo.
“Não podemos estar mais seguros da existência de nenhuma coisa que a do ser absolutamente infinito e perfeito, ou seja, Deus. Como sua natureza exclui toda imperfeição, elimina, desse modo, todos os motivos para duvidar de sua existência e proporciona a maior certeza sobre ele”, escreveu.
É um Deus diverso do ortodoxismo judeu e cristão, pois para Espinosa o homem é um pensamento de Deus que é tudo e está em tudo.
Se Deus está em tudo e não pode ser revelado por nenhum profeta ou mensageiro, fica então entendido porque o filósofo foi considerado um inimigo pelas religiões constituídas.
Para ele, Deus é razão (logos), como também coração, amor; a fusão da suprema razão com o supremo amor. Difundiu ser importante que a Verdade fosse experimentada, e não somente estudada, pois ai surgiria a compreensão do amor. Em sua ética encontramos a questão da liberdade e do livre arbítrio como algo a ser conquistado; quanto maior liberdade, maior responsabilidade, que muito teria a ver com o grau de consciência.
Existe um paralelismo entre o pensamento de Spinoza e o de Sócrates que dizia que o homem não era o compacto, o tocável, senão o invisível, o da essência. Afirmava que todo o ser humano tinha em seu interior tudo para se desenvolver; que deveria primeiro conhecer-se, e depois o que o cercava; que o princípio da sabedoria consistiria no reconhecimento da própria ignorância.Ambos foram condenados pelo poder político, por opor-se às idéias dos governantes e não cultuar suas personalidades, e nem as divindades do Estado.
Apesar de ter a oportunidade de fugir, o filósofo grego não o fez. "Sócrates é imortal. Podem matar o invólucro de Sócrates, mas Sócrates é imortal." E, segundo Platão, enfrentou a morte com serenidade. Talvez por ter compreendido que a morte verdadeira fosse o não pensar, a submissão aos pensamentos pensados por outras pessoas e à cruel ditadura dos mercadores da verdade.
Para Spinoza, a verdadeira salvação consistiria no conhecimento que é oposto ao fenomênico e sobrenatural que forjam as bases do ateísmo. Afirmava que as religiões sobreviveram através de dogmas rígidos.
Olhar as coisas sob a perspectiva da eternidade era uma das principais bases de seu pensamento. Deus é tudo, e tudo é Deus. Pensar em si mesmo é pensar em Deus, e não uma forma de egoísmo. A substância essencial que tudo interpenetra é Deus que tudo rege e se confunde com suas leis que podem ser conhecidas.
De qualquer forma, apesar do avanço conceitual e do distanciamento dos preconceitos vigentes, Espinosa não foi capaz de vislumbrar a forma de se realizar o contato consciente com estas realidades, e nem como empreender um processo de aperfeiçoamento individual.Mais intuitivo que objetivo, racional, deixou um legado importante para o pensamento das gerações que o sucederam.

Nagib Anderáos Neto
www.twitter.com/anderaosnagib

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Tuesday, March 27, 2012

Deus e os Detalhes

Uma velha citação diz que Deus está nos detalhes. Uma outra, que a poesia é feita de detalhes e pode ser vida. E ainda, que o poeta, como os cegos, é capaz de enxergar na escuridão.

Esta última, como as demais, leva-nos a Borges, com seus espelhos e labirintos. E sem nenhum esforço, vêm-nos à mente alguns poucos e misteriosos versos do poeta argentino:

Às vezes nas tardes uma cara
Nos mira desde o fundo de um espelho;
A arte deve ser como este espelho
Que nos revela a nossa própria cara.

Conheci um outro menino que se assustava com os espelhos. Porque aquela cara que o mirava desde o fundo do espelho não era a cara dele. E se perguntava: “que cara é esta? Eu não sou esta cara!”.

A vida haveria de revelá-la.

Então é certo: a poesia é feita de detalhes e pode ser vida. E cada cara traz um enigma, um mistério, uma história, uma herança. Cada uma com uma fisionomia própria, nunca iguais, mesmo as dos gêmeos mais parecidos, como as impressões digitais, um mistério particular, não a cara, mas o que haveria por detrás dela, a fisionomia particular, a expressão metafísica, a verdadeira e desconhecida face.

Detalhe, espelho, Deus, cara. Cada palavra um símbolo-mágico, metáfora-viva. Homem, alma, espírito. Cada qual haverá de decifrá-la.
E sem nenhum esforço da memória, vem-nos à mente Emily Dickynson, novamente, a murmurar:

A palavra morre
Quando é dita,
alguém diz.
Eu digo que ela começa
A viver
Naquele dia.

As palavras não são metáforas-mortas, são vivas que podem e devem evoluir através dos tempos; principalmente as que representam certos conceitos de extrema importância para o ser humano: vida, mente, existência, Deus, felicidade, alma, espírito, inteligência, sensibilidade.

A palavra “pedra”, por exemplo, refere-se a algo físico que conhecemos e pode nos vir à mente no exato momento de ouvi-la.
Quando ouvimos Drummond dizer: “havia uma pedra no caminho”, a sutileza metafísica é gritante; já não é uma pedra física, é mental, um obstáculo a ser removido, um problema a ser resolvido.

A palavra Deus, dependendo de quem a ouça, reporta a uma imagem que vem do conceito que se tenha; pode ser um senhor com uma enorme barba e que vive no céu, ou o próprio Universo com tudo o que nele existe, ou um animal sagrado, o sorriso de uma criança, o gesto generoso de quem nos ajuda, ou uma inteligência maior de onde todas as demais provêm, ou absolutamente nada. A palavra refere-se ao conceito e pode, sim, ser uma metáfora-morta se não evolui com o tempo transformando-se num preconceito.

As palavras, expressões físicas dos pensamentos, são pequenos detalhes com os quais se poderá chegar a Deus ou mergulhar na escuridão.

Nagib Anderáos Neto

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Monday, March 26, 2012

Uma Consciência Contra a Violência

Embora se venha atribuindo a crescente violência aos problemas sociais, à incompetência dos que têm a seu cargo a manutenção da segurança pública, à morosidade da justiça e aos problemas econômicos, é preciso salientar que as causas reais não têm sido analisadas, identificadas e combatidas eficazmente.

Onde se gera a violência? Qual a sua raiz? Estaria apenas presente nos atos bárbaros da delinqüência e nas agressões incontroladas que nações desferem sobre outras? Não estaria presente em todo o lugar, manifestando-se nas formas mais sutis? Não são os pais que, muitas vezes, repreendem seus filhos com uma manifesta violência impressa nas palavras, gestos e agressões? Não são os meios de comunicação que a transmitem para as crianças que absorvem os pensamentos agressivos através de desenhos, filmes e telenovelas que são um péssimo exemplo para aquelas mentes indefesas, incapazes de desligar a caixa de surpresas desagradáveis?

Não estaria presente nos campos de batalha que se transformaram as quadras esportivas onde os times e torcedores digladiam-se raivosamente em nome de uma bandeira que pode não ter significado algum? Ou nas esquinas, nos semáforos, no trânsito alucinado das grandes cidades?

A violência está em todas as partes porque está em todas as mentes; e ali seria necessário combatê-la.

Educar uma criança para a vida, mais do que prepará-la para o vestibular, seria prepará-la mentalmente; educar os pensamentos e preservar essa mente de agressões externas.

A verdadeira educação é a mental, a que permite aos homens conhecer esse ambiente e utilizá-lo na criação de idéias e pensamentos que tenham real utilidade para si e os semelhantes, e na técnica de combater os violentos e dissolventes que distanciam o ser humano de seus semelhantes e de Deus.

No clima de grande violência que presenciamos, as autoridades judiciais e policiais devem ser chamadas para as necessárias medidas emergenciais; no entanto, há que convocar os educadores, para que as gerações futuras possam ser preparadas e orientadas no sentido de uma postura mental mais humana e pacífica.

Nagib Anderáos Neto
www.logosofia-nagib@blogspot.com

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Friday, March 23, 2012

Os Dois Trabalhos de Hércules

O maior herói mitológico da Grécia, Hércules, símbolo da força, o mais forte homem sobre a terra, era uma espécie de semideus. Nada que existisse no ar, no mar ou na terra poderia derrotá-lo. Em suas aventuras há uma representação poética do valor posto a serviço da humanidade como na eliminação da serpente de cem cabeças, no combate aos gigantes, na morte do leão de Neméa.

O seu intelecto, no entanto, não era forte. Ele não era um herói perfeito como Theseu, o dos atenienses, que era forte de corpo e intelecto. Mesmo assim, ele se julgava em igualdade com os deuses. Era um filho torto de Zeus; poderia apenas ser vencido por uma força sobrenatural, como de fato aconteceu por uma mágica encomendada por Hera, a esposa de Zeus que não era a sua mãe.

Para a Logosofia, os trabalhos hercúleos e sobre-humanos não são doze, e sim dois: encarar, combater e derrotar a fera que cada ser humano traz dentro de si como herança ou estigma de épocas distantes, quando ela lhe fora útil em seus primeiros tempos sobre a terra, e unificar as qualidades e potencialidades que traz como herdeiro de um Criador que em todos infundiu o sopro da genialidade e do amor.

Cada homem pode encarnar o Hércules legendário utilizando agora a sua força psicológica para derrotar os inimigos interiores, os seus defeitos, que lhe impedem contemplar a Verdade e ser feliz; viver em paz e cumprir a missão maior que lhe foi encomendada: evoluir e ser útil aos seus semelhantes.

Numa conferência pronunciada em Buenos Aires em 30 de Setembro de 1948, o pensador e humanista Carlos Bernardo González Pecotche afirmava que “são estes os dois trabalhos de Hércules que é necessário realizar, porque as deficiências, que são as que desdobram a personalidade humana e as que enganam com freqüência o próprio ser, são as que também, convertidas numa espécie de diabo pessoal, aconselham constantemente o homem a crer-se o que não é. Um ser desta índole é o pior dos crentes, porque chega a converter-se em um pequeno deus, pessoal e infalível: e, logicamente, erguido sobre semelhante pedestal, rechaça todo o intento de aperfeiçoamento e anula todo o esforço que tenda a desarraigar nele esta recôndita crença”.

Nagib Anderáos Neto
neto.nagib@gmail.com

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Tuesday, March 20, 2012

22 de Março : Dia Mundial da Água

A situação do abastecimento de água no mundo é preocupante. Mais de um bilhão de pessoas não têm acesso a ela; dois bilhões e 400 milhões de pessoas não dispõem de saneamento, com projeções alarmantes para 2025 quando bilhões de seres humanos sofrerão sérias conseqüências por sua escassez.

O Brasil, que possui 14 % da água doce existente no mundo, tem muito que fazer para cuidar deste bem valioso e finito, pois cuidar da água significa cuidar da vida do homem na Terra.

Este é um assunto de muita importância e os políticos por ele resvalam, como no caso da educação, talvez por estarem intimamente ligados às liberdades individuais. A água é estratégica, ligada à soberania, à economia e à saúde, embora não dê votos, sendo esquecida pelos políticos.

O cuidado com a água reflete educação e desenvolvimento, coisa também escassa por aqui. Não há consciência sobre a importância do uso racional e a necessidade de proteção dos rios e das águas subterrâneas através do adequado afastamento e tratamento do esgoto doméstico e industrial.

E não são apenas os políticos que só pensam no voto os que fogem do assunto; a imprensa também, e quase toda a população que poderia adotar eficientes medidas em suas residências através do consumo inteligente que economiza e reusa.

Para muitos políticos interessa o voto das massas que se amontoam em assentamentos irregulares - muitas vezes promovidos por eles próprios – onde crianças convivem com água contaminada, adquirindo graves doenças invisíveis que as levarão ao sofrimento e à morte. Mais de três mil crianças morrem diariamente no mundo em decorrência de doenças que provêm da água contaminada. No Brasil, 80% dos esgotos não são tratados sendo jogados “in natura” nos corpos de água contaminando o que será consumido por pessoas que adoecerão agravando o enorme passivo previdenciário. E o investimento dos governos é pífio. O País não tem os recursos necessários para enfrentar o passivo em saneamento, e há políticos contrários aos investimentos da iniciativa privada nessa área. Segundo a Organização Mundial de Saúde, cada dólar investido em saneamento básico significa uma redução de quatro a cinco dólares nas despesas hospitalares.

Sessenta por cento do consumo destinam-se à irrigação na agricultura que aqui é feita precariamente, com uma tecnologia medieval de inundação por falta de informação e financiamento. Boas técnicas e bons projetos poderiam reduzir este consumo pela metade, liberando grande quantidade para o humano nas cidades onde vivem oitenta por cento da população.

É necessária uma profunda mudança no entendimento e nas iniciativas da sociedade para encarar o sério problema da água que já estamos enfrentando e poderá se agravar muito, mesmo em nosso País, tão bem servido por este bem impagável, mas onde ainda persiste a falsa cultura da abundância e do desperdício. No Brasil, as perdas de água tratada nas tubulações variam de 40% a 60%, quando deveriam variar de 5% a15%, como nos países desenvolvidos, por falta de investimento do poder público que tem orçamento restrito.

Cuidar da água é cuidar da Natureza, da vida na Terra e do ser humano.

Como muito bem escreveu Guimarães Rosa, “a água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade: só tem valor quando acaba”.


Nagib Anderáos Neto
neto.nagib@gmail.com

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A Mudança de Governo

A mudança de governo é sempre dolorosa. Os dirigentes apegam-se ao cargo e ao poder transitórios; acomodam-se ao fascínio da posição agarrando-se a ela como o náufrago ao salva-vidas. Assim é como a política passou a ser a arte de chegar ao poder e permanecer nele indefinidamente, vitaliciamente. A ambição, que tristemente norteia a vida da maior parte das pessoas, está sempre a apontar para a riqueza e o poder.
Observando quem assume o poder, o espetáculo não é menos risível. Quem chega julga-se muito melhor que os que o precederam. Sua “personalidade” interrompe os projetos que vinham caminhando para iniciar uma nova fase com outros planos que sua brilhante inteligência formulará.
Nos dois casos, a raiz da questão é a mesma: a pessoa é governada pela personalidade, a máscara interior que quer sempre diminuir os outros para, num mundo de anões, vir projetada a sua figura.
A solução da questão resume-se na necessidade da mudança do governo interior e pessoal. Será necessário destronar o tirano das aparências e do engano, o ser pessoal, vaidoso e desumano que cada um carrega dentro de si. Ele deve ser substituído pelo ser espiritual e humano que jaz adormecido no interior de cada um. É uma questão de disposição e desprendimento, caso a máscara não tenha sido aderida à epiderme psicológica.
A “personalidade” é o fruto do cultivo das aparências do ser humano, tanto no aspecto material como no intelectual; a somatória dos dotes com os quais pretende apresentar-se às outras pessoas - geralmente com um indisfarçável intuito de diminuí-las - alçando-se a uma fictícia estatura pessoal inflada pela vaidade e ambição.
Esta máscara - com a qual se pretende atravessar a vida aparentando ser o que não é - deve ser arrancada, ainda que dolorosamente, para ascender aos caminhos do aperfeiçoamento individual.
A personalidade, com seus brilhos e debilidades, deve ser substituída pela individualidade, pelo cultivo de qualidades pessoais interiores. A tarefa não é simples; requer valentia e desprendimento; morte e renascimento. Esta é a maior das artes que possa um ser humano realizar: a criação de um novo ser surgindo das cinzas do velho homem pessoal, vaidoso e egoísta, como o pássaro mitológico e imortal.
A personalidade é uma frágil bengala com a qual se pretende atravessar a vida fingindo uma suficiência que o observador mais perspicaz identifica como falsa; a máscara da dissimulação e das aparências, da falsa humildade e da mansidão, que revela muitas vezes a fera escondida sob as vestes de um cordeiro.
A lógica deste mito é perfeitamente compreensível nos seres para os quais nada existe além da realidade do mundo físico. No entanto, para os que sentem a necessidade de transcender esse limitado estado de compreensão, essa visão diminuta do entendimento, o mito passa a deixar de ter sentido, dando lugar à aspiração de substituir a personalidade pela individualidade, pelo cultivo das qualidades superiores do ser humano.
A renovação com continuidade, no que a Natureza é pródiga em exemplos, deverá ter para o ser humano a possibilidade de realização consciente, pelo conhecimento e domínio de cada passo dado naquela direção.

Nagib Anderáos Neto
neto.nagib@gmail.com

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Acidentes e Suas Causas

Ao se optar por viver em concentrações urbanas que se ampliam desordenadamente, potencializaram-se os riscos de acidentes nos lares, ambiente de trabalho, transporte, lazer, atividade humana em geral.
O acidente e o incidente, em geral, não são acontecimentos fortuitos ou obra do destino, senão a conseqüência da imprevisibilidade, falta de atenção, desinteresse e ignorância.
Se as cidades crescem desordenadamente, se há falhas nos projetos, nas máquinas e na manutenção; se não se cuida devidamente do meio ambiente e dos seres humanos, toda a sociedade é responsável: os governos em todos os níveis e as pessoas que por vontade ou falta dela permitem o continuísmo na administração pública, a ineficiência, a desumanidade. Todos têm sua parcela de responsabilidade.
Todo acidente tem uma causa e quase sempre poderia ser evitado. Dois fatores determinam, isolada ou combinadamente, qualquer um: uma condição e um ato inseguros. Por detrás deles estão os erros que se sucedem em cadeia e causadores de pequenos acidentes como de grandes catástrofes. A sua análise nos levará à conclusão que ele poderia ser evitado. Há causas psicológicas sempre presentes: a pressa, a desatenção, a falta de treinamento e o desinteresse pelo que se realiza.
A desatenção é um estado de torpor psicológico, ausência que nos faz estar em muitos outros lugares distantes daquele em que nos encontramos, desviando o foco da inteligência daquilo que realizamos. Essa ausência mental é causadora de muitos acidentes. É necessário cultivar o hábito da atenção no que se faz para evitar pequenos e grandes transtornos. Um instante de desatenção poderá nos tirar a vida ao atravessar uma via pública ou dirigir falando num celular.
E de onde provém a desatenção? Qual a causa?
Todos vivem muito apressados, pressionados por compromissos e horários, numa louca e absurda carreira que chega a comprometer a saúde física e psicológica. Ao fazer tudo apressadamente, a qualidade do que se realiza fica comprometida; a correria leva ao automatismo, à desatenção, ao desprezo pelos detalhes que mereceriam um olhar mais detido e cuidadoso. É como se as pessoas corressem atrás de um futuro que não chega nunca; e almejassem um final sobre o qual se precipitassem sem saber qual seria.
A pressa é uma doença causadora de erros, acidentes e desentendimentos; urticária psicológica que atormenta, tornando as pessoas desatentas, esquecidas, ineficazes. Leva-nos a falar demais, correr e ser superficial; uma fuga, incomoda hóspede psicológica, uma incompreensão, falta de conhecimento. Por detrás dela há um defeito que se chama impaciência, doença moderna que danifica o sistema nervoso.

No livro Deficiências e Propensões do Ser Humano, o educador González pecotche afirma que “o impaciente é um escravo do tempo, desse tempo fantasmagórico que nada tem a ver com o autêntico, que tão frequentemente o homem dissipa em banalidades, justamente por desconhecer seu real valor.” E que“ a paciência é uma das virtudes mais valiosas e também mais difíceis de alcançar. Todavia, sua posse não é impossível, seguindo-se rigorosamente o processo de compreensão, adestramento e realização que a colocará em seu alcance. “

Saber esperar é o mesmo que saber viver, desde que a espera não seja passiva, a que faz sofrer.

O desatento é facilmente enganado por ser a ingenuidade fruto da esterilidade mental, sinônima de inconsciência. A desatenção leva ao descuido e à irresponsabilidade que prejudicam as pessoas em qualquer atividade.

A atenção e o cuidado são predicados indispensáveis para se evitar acidentes cujas conseqüências podem ser males irreparáveis.

Nagib Anderáos Neto
neto.nagib@gmail.com

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Tuesday, March 13, 2012

A Nova Guerra

O maior dos desastres é a guerra, a culminação de erros frutos do fanatismo, da ignorância e do materialismo. Os seres humanos vivem uma guerra sem-fim. De quando em quando se desenha outra muito grande como nestes tristes momentos, no longínquo e conturbado Oriente.
A cegueira do entendimento leva o ser humano a voltar-se contra a sua espécie, a cometer os crimes mais abjetos, a destruir a infância, a juventude e a Natureza nos campos de batalha em nome de suas inconfessáveis ânsias de poder e domínio.
Não se pode ficar indiferente ao sofrimento alheio e à barbárie; às crianças órfãs e aos lares dilacerados; às políticas desumanas que jogam povos contra outros para atender mesquinhos interesses; ao ódio disseminado nas mentes infantis pelos senhores das guerras que as transformaram em veículos do terror gerado em outras pervertidas por séculos de rancor.
A longa história neste peregrinar sofrido de guerras e extermínios vem-nos demonstrar que precisamos cultivar a vontade por uma vida nova para que a existência deixe de ser um inferno, um vale de sofrimentos e lágrimas construído pelo homem. Ao olhar para trás sem uma perspectiva futura, alimentados por negros pensamentos e crenças absurdas, sentimo-nos devorados pela ignorância. A construção de um novo futuro torna-se inadiável para que se possa escapar desta temporada nas sombras.
O ser humano precisa começar a pensar, produzir soluções luminosas para sair do labirinto em que se enredou através das épocas, becos-sem-saída, crenças, superstições, ignorância. Acreditar que alguém possa pensar por nós é submetermo-nos à mais cruel das escravidões.
A guerra é inútil. Para deixar de guerrear consigo mesmo e os semelhantes será necessário reconhecer o fracasso da cultura e o desvio espiritual que separou os homens.
Por detrás dos exércitos, os senhores das guerras refestelam-se na ambição desenfreada enquanto a juventude perece nos campos de batalha. Uma justiça verdadeira deveria levar esses senhores da morte às linhas-de-frente para sucumbir do veneno que eles próprios instilaram nas mentes indefesas dos que morrem por causa nenhuma.
Diante de tanto ódio e matança, não há futuro para o ser humano. Será necessária uma grande reversão moral, intelectual e espiritual para salvar o pequeno planeta do mau destino. E a única arma é a inteligência e sensibilidade humanas, dons maiores herdados de épocas ancestrais e que se encontram eclipsados pelo materialismo cego que tudo consome e destrói.
Os profetas vaticinaram o final dos tempos em função de ocorrências climáticas e geológicas, sem imaginar que a ignorância e a perversidade humanas chegassem ao ponto de produzir armas para a destruição total. A ignorância e a inconsciência têm permitido que o mal se alastre com tanta velocidade. O mal que se origina na mente tomou o ser humano insensível defronte das atrocidades que ocorrem ao seu redor e que é causada pela ignorância que faz crescer nela verdadeiros monstros psicológicos. A inconsciência torna os seres frios e insensíveis, incapazes de se conectar com uma vontade superior que quer a vida, o entendimento e a união.
O homem, figura impar nesta parte da criação, com sua capacidade de pensar, criar, ser consciente e humano, transformou-se no antípoda do criador, no inconsciente, na fera que suplanta qualquer animal com suas atrocidades.
Se as coisas prosseguirem como estão, não será difícil prever momentos terríveis pelos quais haveremos de passar, caso não haja um despertar das consciências que permita afastar da Terra as sombras da ignorância e da inconsciência. Esta é a era das grandes maldades. As grandes descobertas e o avanço tecnológico têm servido para infernizar a vida humana.
O despertar das consciências é o único caminho para reverter a tendência suicida. Caso uma parte da humanidade não experimente este renascimento, não serão as súplicas, os tratados ou alianças que haverão de salvar o planeta da destruição total.
Quando muitos homens compreenderem que só existe um caminho que cada um deverá construir para depois trilhá-lo individualmente; que a possibilidade de redenção dos próprios erros existe em cada criatura e que só ela poderá realizá-la, o ambiente mental deste mundo se transformará e poderemos reverter a tendência suicida que se instalou nas mentes humanas. Esta transição caracterizará o final dos tempos obscuros e amargos, e o inicio de uma nova civilização.

Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br

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Monday, March 12, 2012

O Traidor Pessoal

Quando se fala em traição vem-nos à recordação uma série de fatos observados: um amigo que traiu um ideal ou a palavra empenhada, o desertor que passou às fileiras inimigas, o político que esqueceu dos compromissos assumidos.
A passagem da traição de Judas que se juntou aos fariseus para consumar o fato que levou seu instrutor à condenação e à morte - conforme textos bíblicos - somada às constatações pessoais que vamos fazendo dia-a-dia configuram o quadro eloqüente da traição continuamente praticada entre os homens desde tempos distantes.
Esses fatos não teriam um significado mais profundo e instrutivo?
O conhecimento logosófico projeta sua luz sobre a questão milenar da traição afirmando que a mente inferior do homem - esfera mental não cultivada e suscetível a todo tipo de influência negativa - representa seu Judas pessoal. A mente que alberga pensamentos contraditórios que fazem o ser humano tomar atitudes contrárias a seus sentimentos, como se algo mais forte que ele agisse dentro de si traindo-o continuamente e fazendo-o carregar sobre seus ombros o peso de seus erros e conseqüentes sofrimentos.
A psicologia farisaica caracteriza-se por sua sistemática oposição à Verdade manifesta. Pretendendo ser sua intérprete precisa, é, ao contrário, a inimiga da Verdade e do Bem. Querendo tudo para si menospreza os critérios e as razões alheias, colocando-se na ilusória posição de uma superioridade inexistente. Intrigante e conspiradora, hábil em jogar uns contra os outros, deleita-se com o espetáculo maquiavélico promovido por sua mente doentia e desmedida ambição que está sempre a incliná-la para o poder e para a riqueza. Aos que a descobrem em suas ocultas intenções, verte o fel secular do rancor que as mais duras e sofridas experiências não foram capazes de extirpar.
Nos tempos antigos os fariseus julgavam-se os únicos seres fiéis às Leis de Deus, capazes de interpretar a Verdade. Isto deveria colocá-los numa posição de privilégios defronte dos que não fossem iluminados como eles supunham ser. Deveriam ser intermediários entre a Verdade e a alma que por ela ansiava. Na realidade, com sua estreita visão, encarcerados às linhas dos livros, letras mortas, encontravam-se muito distantes da Verdade, por estarem muito distantes dos outros seres humanos, seus irmãos. Escribas fanáticos, doutores pedantes, eméritos tergiversadores, deixaram uma herança negativa que fustiga as mentes e os corações humanos até os dias atuais.
A psicologia farisaica vive da mentira e da tergiversação, da conspiração, do ódio e do rancor. Está em todas as partes: nas ruas, nos governos, nas empresas, em instituições diversas. Tem seu assento em nossas próprias mentes caso não saibamos nos defender de sua influência nefasta que torna os seres hipócritas e pedantes, bajuladores e falsamente humildes e mansos; limpos por fora, mas sujos por dentro.
Não basta identificá-la e apontá-la nos demais, senão defender-se de sua influência negativa que afasta o ser humano da felicidade e da Verdade.
O farisaísmo equivale à hipocrisia e ao fingimento, uma sutil tendência negativa da natureza humana com suas raízes no formalismo religioso dos fariseus; além de voltar as costas à Verdade, esmeraram-se na arte de torcer seu significado dando à mentira aparência de verdade com o deliberado intuito de submeter os semelhantes surpreendidos em sua inocência e boa fé.
As nossas instituições estão eivadas destas figuras teatrais, com sua eloqüência mentirosa, seus discursos aparentemente irrepreensíveis, cuja conduta nada tem a ver com seu palavrório enfeitado e oco. É preciso ter olhos bem abertos para surpreender essa tendência que equivale também à impostura e à falsidade.
O que não se tem pensado é que esta tendência ou deficiência mental existe na grande maioria dos seres humanos como conseqüência de um grande desvio na integração das qualidades pessoais. O desconhecimento da enigmática e misteriosa realidade dos pensamentos que governam a mente humana impede o domínio que a inteligência possa exercer sobre os mesmos, dando lugar a uma verdadeira eclosão de pragas mentais das quais a hipocrisia é uma significativa representante.
O método logosófico de investigação da natureza pessoal e interior propõe o exercício de voltar-se para si mesmo e estudar-se, identificando e eliminando as pragas que por ventura existam. Esta capacidade pessoal tem sido postergada pelo desuso proveniente da cultura do escapismo. O sedentarismo mental deve ser abolido através de saudáveis e diários exercícios espirituais que somente a própria pessoa poderá fazê-los no próprio benefício.
O hipócrita não se julga como tal por desconhecer-se. Este desconhecimento equivale a uma prisão espiritual que posterga, indefinidamente, a auto-redenção e o aperfeiçoamento individual.

NAGIB ANDERÁOS NETO

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Friday, March 02, 2012

O Pirarucu e a Multiplicação dos Peixes

Noutro dia, o biólogo e consultor Ricardo Tsukamoto falava-nos sobre o milagre do pirarucu, aquele peixe enorme que vive nos rios brasileiros, que quase não se move e pode ser criado em pequenas áreas e resolver o problema da fome gorda neste país de tantos contrastes. Lembrei-me de um médico paraense que conheci em noventa e oito em Londres que me disse que em sua terra ninguém morria de fome, tamanha a quantidade de peixes naquele Brasil longínquo, um verdadeiro milagre da realidade.
Tais lembranças levaram-me a uma leitura muito antiga, um texto escrito há quase oitenta anos e que dava uma interpretação singular à lenda da multiplicação dos pães e dos peixes que saciaram a fome de cinco mil pessoas.
O texto dizia que a passagem nunca fora entendida nem tampouco explicada com clareza. Não seria a fome física o ponto central da questão, senão a espiritual. E que os assistentes mais próximos da preleção insinuaram ao orador que as pessoas estavam com fome e o sermão deveria ser interrompido, ao que o orador teria respondido que o pão do trigo alimentava uma fome passageira, mas que o pão espiritual de seus ensinamentos representava um auxilio continuado, não para uma fome circunstancial, mas que pudesse saciar uma fome secular de espíritos ávidos por conhecimentos.
Tais reflexões nos levaram a considerar que pela abundância de peixes e escassez de conhecimentos a fome física não deveria ser mais que uma conseqüência da fome espiritual. E que deveríamos lutar pela educação de nosso povo, e não somente a convencional, a que se aprende nos bancos escolares, senão a outra, a espiritual, a humana, que deve nos levar a conviver pacificamente com nossos irmãos, os outros seres humanos, e a nos conhecer, e a nos entender como entidades que podem ser muito inteligentes se nos desprendermos de preconceitos seculares que nos têm feito ser os agentes de guerras e desentendimentos, criadores de partidos que partem as relações humanas numa fingida convivência que tudo destrói.
O divisionismo só existe na ignorância que é a ausência de inteligência, de capacidade de conviver harmonicamente com os semelhantes.
O famoso oráculo de Delfos, magnífica construção assentada às encostas do monte Parnaso, ostentava em sua fachada a enigmática inscrição celebrizada por Sócrates cujo significado permanece obscuro até hoje: conhece a ti mesmo. Para lá se dirigia o viajante sedento de conhecimento levando suas inquietações e questionamentos ao deus Apolo, o deus do sol e da luz, da música e da purificação, da tranqüilidade, da beleza, o que conheceria a medida das coisas.
Dionísio (Baco para os romanos), o deus do vinho, da festa e do teatro, cujo culto era o das necessidades do corpo humano, conformava com Apolo o ideal grego de uma vida equilibrada entre as necessidades materiais e espirituais.
O templo de Delfos era o templo de Apolo cujas colunas lá permanecem até hoje desafiando o tempo. Conta-se que ali o deus falava ao viajante através da Pitonisa, sacerdotisa que intermediava o contato.
Esta crença grega de que os deuses falariam aos homens através dos sacerdotes influenciou as diversas religiões que sucederam aquele período histórico.
Deus pode falar a um ser humano através de outro, de qualquer outro. Para uma criança, os pais se confundem com Deus pela proteção, amor e conhecimento que lhe transmitem. Assim também o mestre, o instrutor, o professor, que junto com o ensinamento transmite a amizade. No entanto, Deus não precisa de nenhum intermediário para que se o sinta nas profundezas do coração, embora esteja ali presente nas palavras e nas atitudes de quem faça um bem para os seus semelhantes.
O Templo do Conhecimento, o oráculo onde cada ser humano pudesse consultar a Verdade seria a sua própria consciência; poderia consultar o Deus único cuja chama arde no interior de cada indivíduo.
No entanto, como a consciência está afastada das preocupações correntes do homem moderno, tão encantado pelas ficções de um mundo luminoso, colorido e sedutor, aquele oráculo não existe.
A realização do sonho do encontro com o Templo do Conhecimento posterga-se até o dia em que o homem desperte do sono que o tem prostrado na indiferença, no materialismo e no desconhecimento de sua própria pessoa.

Nagib Anderáos Neto
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