Sunday, January 24, 2010

O Homem Não é Um Animal

Pensar por própria conta custa certo esforço, como todo ato criativo, e exige preparo, treino, exercício diário. É diferente de sonhar, lembrar, imaginar. Ao criar, a imaginação, o sonho e a recordação poderão ajudar. Seja uma pintura, um filho, um pensamento, o criador se confunde com sua obra, vive nela.

Pensar é respirar. Sem ar o corpo expira. Sem pensar, a alma dorme. Quem não pensa vive repetindo coisas pensadas por outros, submete-se, repete-se.

A rotina é inimiga da criação, como a preguiça, a indiferença e o conformismo. Os animais se repetem, o homem pode se diferenciar, se transformar, mudar no breve hiato entre o nascimento e o desenlace fatal. Se ele fosse um animal – com o perdão de Darwin – estaria sujeito à lenta lei evolutiva que rege todos os processos da Natureza.O fato de se cogitar que os seres vivos descendam de um ancestral comum não significa que o homem, resultado de uma evolução biológica, seja um animal. Devemos nos contrapor às ondas anacrônicas do criacionismo, mas daí a nos nivelar aos animais é um pouco diferente. Como tem inteligência e pode ser consciente, seu corpo está sujeito àquela lei em sua conformação biológica, mas sua inteligência e sua sensibilidade, sua alma enfim, podem empreender a sucessão de mudanças evolutivas que os conhecimentos permitem.

A rotina leva à depressão. A monotonia da repetição traz tristeza. Alegria tem a ver com renovação.A passividade e a ignorância podem nos levar a nos confundirmos com os animais. A atividade e o conhecimento nos elevam e nos liberam da mediocridade que nos querem impor os mercadores da verdade.

As perguntas que todos devem se formular são as seguintes: Por que estou neste mundo? O que devo fazer dele? O meu nascimento e minha vida são obra do acaso ou têm uma finalidade? O meu existir é contingente?

Talvez tenhamos nascido para viver, criar e sonhar. Talvez para saber a razão desta existência. A passividade e a ignorância podem nos levar a confundirmo-nos com os animais. A atividade e o conhecimento nos elevam e nos liberam da mediocridade que nos querem impor os impostores.

O fato de se cogitar que os seres vivos descendam de um ancestral comum não significa afirmar que o homem, resultado de uma evolução biológica, seja um animal. Se não somos filhos privilegiados desta criação, por que somente o homem é capaz de pensar, criar e se modificar?

O homem do futuro, biológica e mentalmente falando, será herdeiro do homem do presente. Os evolucionistas céticos parecem não perceber essa ligação hereditária, pois ao homem biológico sucedem os pensamentos que ele for capaz de criar, dar vida, e que a ele sobreviverão, e poderão inspirar outros homens a que pensem também, que criem pensamentos que se imortalizem em obras que beneficiem a toda a espécie.

A vida do homem na Terra é um átimo no infinito processo universal. Espelhar-se nele é fator inteligente para a pequena espécie que, prematuramente, muito grande se julga.

Os céticos dizem que todo esse processo evolutivo é obra do acaso. Seria o caso de lhes perguntar se o que entendem por acaso não seria o Deus mesmo.Nada a ver com os deuses imaginários criados por mentes pré-históricas que encabeçaram empresas lucrativas que vêm explorando a ingenuidade dos incautos, senão aquele cuja face visível é o Universo, e a invisível os processos que o homem vai descobrindo através de sua incipiente ciência e sua consciência em formação.


Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br

Labels: , , , , ,

Monday, January 11, 2010

Correspondências

Correspondências


Comprei AS Flores do Mal em oitenta e sete. Era uma tradução de Jamil Almansur Haddad. Li e reli a obra do poeta francês, mas Baudelaire continuou distante do que eu pudesse sentir ou compreender. Os tradutores são, de certa forma, traidores. É muito difícil ser fiel ao texto, principalmente no caso da poesia. Mesmo assim, houve ali dois poemas que me chamaram a atenção: Correspondências e O Albatroz.
Muitos anos depois, ao ler a biografia do poeta, seguindo o conselho de Beto Portinari, compreendi melhor aqueles dois poemas e toda a obra do angustiado escritor. O amigo dissera-me que a leitura da vida do artista poderia me ajudar a compreender a sua obra.
Como em meu tempo de menino o francês era matéria obrigatória na escola, arrisquei a minha própria traição:
“A Natureza é um templo onde os pilares viventes
Deixam, às vezes, escapar palavras confusas.”
Estes primeiros versos transportaram-me à infância e fizeram-me experimentar novamente o sentimento panteísta, pois vozes misteriosas respondem-se na Natureza anunciando uma correspondência entre o que é visível e invisível, entre matéria e espírito, pois ela é um vasto templo, único e verdadeiro, cujos pilares deixam à mostra hieróglifos misteriosos e familiares que o passante distraído não os percebe, mas que os decifradores podem captar.


“O homem atravessa-a através de uma floresta de símbolos que observam-no com olhares familiares.”
O mundo visível como uma outra face do invisível. E por que não mais real? O véu que cobre a Natureza desvela uma realidade maior, embora invisível aos olhos físicos.
“Como ecos prolongados que na distância se confundem numa tenebrosa e profunda unidade, vasta como a noite e a claridade, perfumes, cores e sons se respondem”.
“Há perfumes frescos como a carne das crianças, doces como o som do oboé, verdes como as pradarias, e outros corrompidos, ricos e triunfantes, tendo a expansão de coisas infinitas, como o âmbar, o almíscar e o incenso que cantam os transportes do espírito e dos sentido.”
Toda esta simbologia de Baudelaire, onde o físico e o metafísico confundem-se numa inspiração que nem o próprio poeta sabe de onde vem, reporta-nos aos símbolos e às metáforas de Borges e Fernando Pessoa:
“Símbolos? Estou farto de símbolos”,
diz-nos o amargurado engenheiro Álvaro de Campos.
“Mas dizem que tudo é símbolo.
Todos me dizem nada.”
E alguns dias antes, o engenheiro-poeta resume versejando, lá pelos idos de 33:
“Símbolos. Tudo símbolos.
Se calhar tudo é símbolos.
Será tu um símbolo também? “
Neste Universo de símbolos, tudo são metáforas. Alguém já expressou que toda a palavra é uma metáfora morta.


Seria o ser humano uma metáfora viva, expressão ou símbolo de uma realidade maior?
A palavra metáfora provém do grego e fundamenta-se numa relação de semelhança entre o sentido próprio de uma palavra e o figurado.
No clássico exemplo de se chamar de raposa uma pessoa astuta ou a juventude como a primavera da vida, o esperto animal empresta vivacidade aos humanos e a Natureza a sua beleza à juventude.

Há eloqüentes metáforas cheias de otimismo e de vida e as negras e entristecidas. A luz do conhecimento que poderia iluminar os escuros âmbitos do entendimento sugere vida, aprendizado e uma outra metáfora: o caminho do aperfeiçoamento que poderia ser percorrido pela inteligência de quem decidisse abandonar as velhas metáforas da passividade, do conformismo e do pessimismo.

A vida, como um vale de sofrimentos e de lágrimas, metáfora menor e entristecida que nos reporta ao aforismo pessimista que diz que ela é amarga ou que errar é humano, faz-nos refletir que a vida deve ser doce e que acertar é humano.
Se as nossas vidas são metáforas, expressões e símbolos de uma realidade maior, façamos com que elas se preencham com o conteúdo da natureza cheia de luz, movimento e transformação, e se correspondam com a Natureza.

Nagib Anderáos Neto
neto.nagib@gmail.com

Labels: , , , , , , , , ,

Sunday, January 10, 2010

Os Livros e a Evolução Humana

Cada livro lido é uma aventura ímpar. Para o leitor, uma releitura será uma escritura diferente; ele cria com o escritor em função do que tem na mente, do que está vivendo, da época em que se encontre. Um livro pode ser muitos livros.

Qual a mágica da leitura? Que profundo mistério envolve a literatura para a qual tantos são atraídos? Seria apenas um prazer da solidão? Um exercício de reflexão? O que ocorre de fato ao se ler um bom livro?

Vem-me à recordação o Don Silencioso de Mikail Sholokov, odisséia de uma família russa com a qual tomei contato na adolescência; três volumes que encheram algumas semanas da vida de expectativa e emoção. O que aconteceu com aquele adolescente que se viu transportado para as estepes russas num salto para o passado, percorrendo com os cossacos as planícies geladas numa epopéia histórica de séculos? Qual mistério envolve a boa leitura? Seria uma fuga, um alheamento da vida e dos problemas?

Deve haver algo profundo neste ato. Talvez o nosso mundo interior conecte-se ao do escritor e vislumbremos um outro que transcenda o dia-a-dia rotineiro que nos envolve; o prazer da leitura confundindo-se com o prazer de viver e a literatura transfundindo-se com uma forma de fazer o bem. Então deveríamos ler o que há de bom na literatura para confirmar a prédica que diz vivermos sob a luz de um sol invisível e mágico que brilha dentro de nós.

Há certas leituras que se gravam espontaneamente em nossa memória. Há muito tempo li um poema de Baudelaire e alguns versos ficaram gravados. Muitas vezes, caminhando por alamedas ensolaradas, os versos vinham à mente como se outra pessoa os tivesse pronunciado: “A natureza é um templo onde pilares viventes murmuram palavras confusas. O homem atravessa-a em meio a uma floresta de símbolos que o contemplam com olhares familiares.” Esta interpenetração entre o físico e o metafísico, onde o único e verdadeiro templo se mostra ao ser humano como um grande livro, celeiro de conhecimentos sem-fim, pôde ser captada pela sensibilidade do poeta francês, atravessando o tempo através de poucas palavras. Eis aí o mistério da poesia, a jóia da literatura.

É possível que leiamos para nos encontrar; que este seja o sentido oculto da leitura. E é possível que nos encontremos numa passagem, num pensamento, numa personagem, numa metáfora.

Lembro-me que um sábio, ao ser perguntado sobre o que seria da cultura se todos os livros fossem destruídos, respondeu que tudo poderia ser reescrito através da observação do que existe na Natureza, livro maior que contem a Sabedoria Universal.

A Natureza é o único e verdadeiro templo em cujos pilares viventes poderemos sempre extrair ensinamentos para nos orientar. E nesta outra floresta de símbolos e metáforas que são os livros, criações humanas, poderemos nos perder ou nos orientar, seguindo o caminho invisível do sol que brilha em nossos corações.

Conheci um jovem que de uma leitura mudou a orientação da sua vida, começou a escrever e ler o próprio livro movido por sua vontade e inspiração.

Por detrás das palavras escritas estão os pensamentos do autor que, caso os tenha criado, vive neles. E se estes pensamentos têm a virtude de orientar o leitor, ajudando-o a compreender melhor a sua vida, então o escritor que vive em sua obra é credor da maior gratidão.

Nagib Anderáos Neto
neto.nagib@gmail.com

Labels: , , ,