Wednesday, October 06, 2010

A Arte e o Sonho

Qual mistério envolve a atividade artística quando o ser humano decide elevar-se sobre a mediocridade da vida rotineira para alçar-se em voos cujas obras eternizam-se, transcendendo os curtos anos de vida na Terra?
Por que arte e cultura são tão celebradas?As crianças trazem consigo uma vocação natural para elas que se vai apagando ao tempo em que crescem e vão sendo influenciadas e sufocadas por este mundo cheio de idéias práticas permeadas pelas ânsias da produção, trabalho, lucro e exploração. O pequeno artista transforma-se num homem amargo, previsível e frustrado, numa jornada tão bem ilustrada pelo mito de Sisífo e resumida num trabalho rotineiro, inútil e sem esperança. Mas o espírito – imanência de Deus no homem – vinga-se da alma adulta nas noites eternas transformando o seu sono em espetáculos inesperados onde o pequeno artista renasce como autor e ator, cumprindo o seu destino naquele palco metafísico chamado sonho. A criança eterna de Caieiro está ali a apontar a direção de um grande destino do qual aquele ser infeliz se desviou: ser o criador de si mesmo, escultor da própria imagem, pintor do destino e escritor de sua história.
A matéria inextricável e confusa de pensamentos desconexos que no dia se atropelavam naquela mente desorganizada, durante a noite integra-se em personagens assustadoras que se enredam em pesadelos terríveis ou compõe idílicas e eufônicas passagens que perduram na recordação como reminiscências inefáveis. Durante o sonho, a criança vem cobrar o seu destino e reafirmar que existe e gostaria de estar presente na vigília, este outro sonho misterioso e inescrutável.
Diz-nos Borges em A Rosa Profunda (O Sonho, 93) que “dessa região imersa resgato restos que não consigo compreender: ervas de singela botânica, animais um pouco diferentes, diálogos com os mortos, rostos que na verdade são máscaras, palavras de linguagem muito antigas e às vezes um horror incomparável ao que nos pode conceder o dia”.
Quantas vezes assustados emergimos de um pesadelo sufocante e nos dizemos aliviados que era apenas um sonho! E quantas outras, em meio à vigília exasperante, perguntamo-nos se o que está nos acontecendo não seria um pesadelo.
O pensador e humanista Gozález Pecotche escreveu no livro O Espírito: “Sobre os sonhos já se fizeram inúmeras proposições. Muitos pretenderam decifrá-los, dar-lhes um significado particular; muitos também teceram em torno deles fantásticas conjeturas, mas ninguém jamais expressou que é o espírito quem os provoca, em seu constante esforço por se fazer presente em nossa vida diária”.
A arte faz parte da vida do ser humano e é tão antiga quanto a civilização. A pictografia ancestral, como o pendor infantil para a comunicação através dela, é a prova cabal de que o homem é diferente dos animais. O primitivo, além de caçar, comer, dormir e se reproduzir tinha a necessidade de se comunicar através da arte. É interessante observar como pintar, esculpir ou produzir um texto literário são processos lentos. O artista não pode ser impaciente e nem preguiçoso. Deus é paciência, diz a personagem de Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas. Quando vemos um quadro e os esboços feitos previamente pelo artista, constatamos que a obra final pouco tem a ver com o projeto inicial; que no exercício da criação houve uma alteração dos rumos iniciais. A arte tem a ver com habilidades mentais e sensíveis que podem ser usadas para o bem ou para o mal, como os conhecimentos. Uma reflexão mais profunda sobre a beleza e a verdade nos levam à conclusão que ambas devam caminhar juntas no processo de criação, que não podem ser excludentes.
Uma forma de arte revolucionária e pouco conhecida é a que vem sendo estudada e aplicada em centros avançados de estudos espalhados pelo mundo — verdadeiras escolas de adiantamento mental — e que consiste na criação do próprio artista, certamente a mais difícil de todas as artes: a arte de criar a si mesmo. É uma arte difícil por tratar-se de uma recriação pessoal; uma obra para toda a vida onde se é instruído no sentido de reconhecer todos os defeitos e imperfeições. O seu cultivo exige esforço, constância e observação.
Inspirado na obra maior que é a Criação, o ser humano pode transformar-se no autor e ator de seus próprios dias, dono de seu destino e artífice do futuro, dando um salto mortal por sobre tudo o que tem estreitado sua visão e endurecido o seu coração.
Esta é uma arte com a qual podemos sonhar.

Nagib Anderaos Neto
www.nagibanderaos.com.br

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Friday, October 01, 2010

Um Retrato da Impostura

A cultura contemporânea está baseada numa falsa liberdade política e na equivocada idéia de que o mercado tudo regula, como as relações humanas, econômicas e sociais. Um materialismo exacerbado afastou o homem de Deus e dos semelhantes. Ao entregar nas mãos de orientadores duvidosos a solução dos problemas que lhe incumbe, ele perdeu a oportunidade de pensar por própria conta que é um princípio de liberdade.

Dirigentes políticos e religiosos são impostos por grupos, partidos, associações e sindicatos que são dirigidos por pessoas que vêm o próprio interesse acima do comum. Egoísmo e incompetência campeiam as instituições diversas.

O mercado é regido por grandes empresas internacionais que, associadas aos governos, impõem produtos, preços e padrão de consumo. A grande mídia direciona os pensamentos das pessoas para comprar o que não necessitam, incrementando um crescimento econômico duvidoso que polui o ambiente, as mentes e os corações das pessoas previsíveis e influenciáveis que querem consumir cada vez mais coisas, informação inútil, imagens de violência e desgraça, distantes cada vez mais dos semelhantes e da Natureza.

Muitos psicólogos escrevendo textos sem sentido, como que o amor é um fenômeno irracional, que enamorar-se seria tornar-se anormal, cegar-se. Mentes confusas apontando para uma felicidade utópica apoiada no sexo, riqueza, ceticismo e acaso.

O amor existe como gérmen em todos os corações, mas sua prática exige certa inteligência, disciplina de vida, nada a ver com a rotina aborrecida de um trabalho diário repetido, sem renovação. O apressado homem moderno que imagina que o tempo seja dinheiro não sabe o que fazer com o que lhe sobra depois das correrias que acabam por afetar a sua saúde física e mental. Falta-lhe disciplina, concentração e paciência; ficar um pouco só, ativo na inteligência e no pensamento.

Dentre as diversas classificações às quais o homem pode ser submetido, existe o grupo dos que imaginam que tudo sabem e o dos que supõem que não sabem nada; ambas posições equivocadas. Mas no primeiro grupo há os que pretendem se aproveitar, enganar e submeter o segundo. São os impostores, os agentes da discórdia, os predicadores, ilusionistas, farsantes de antiga data que surgiram dentre os primeiros chefes de tribos primitivas e orientadores espirituais duvidosos. Com os impostores foi surgindo a grande impostura, o grande engano que levou o homem a olhar constantemente para fora, a materializar-se, submeter-se, fugir de si mesmo. Tornou-se um distraído; não se olha, não se enxerga e não se vê; um estranho em sua casa, pois lhe disseram que deveria ganhar o pão com o suor do rosto, divertir-se e nada mais.

É preciso refletir sobre o motivo pelo qual estamos aqui. Recorrer aos que pensaram e lutaram pela liberdade no passado, alguns entregando as suas vidas em sacrifício, espíritos dedicados e lúcidos que deixaram eloqüentes pegadas a serem seguidas.

Não há maior realização humana que aprender a pensar por conta própria, com liberdade. Muitas vezes será necessário recorrer a quem já tenha percorrido parte deste trajeto. A maior escravidão é a mental. O homem nasceu para ser livre e feliz, e a conquista dessa liberdade é mais importante que o pão de cada dia. A vida é curta; quanto mais passa o tempo, mais ele se comprime; não devemos desperdiçá-lo, mas aproveitá-lo, fazendo de cada dia uma vida inteira, onde cada minuto aproveitado se transforme em horas, dias e anos que possam nos ser úteis e a quem nos suceder. Pensar, pensar sempre, e caminhar muito, física, mental e espiritualmente falando, para que os que venham depois tenham muita alegria no coração, que é a maior dádiva que um ser humano possa experimentar.

Mais formoso que o Universo que nos rodeia é o que existe em nossos corações. A nós incumbe ampliá-lo para que possamos viver nele para sempre e sentir o hálito perpétuo da eternidade.

Nagib Anderáos Neto.

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