Monday, July 30, 2007

A Casa de Papel

“Ao vovô, cujo destino é a Emily, e cuidado ao atravessar a rua“, dizia a dedicatória do amigo Ono ao me presentear a Casa de Papel de Carlos María Domínguez, obra mágica cujo narrador descobre que os livros podem ser perigosos, por mudar o destino das pessoas; e que a biblioteca que se forma é uma vida, muito mais que a somatória de livros soltos.
Bluma Lennon, colega do narrador e professora de literatura, é atropelada e morta no Soho enquanto lê um poema Emily Dickinson em voz alta ao atravessar uma rua movimentada. Inicia-se uma trama detetivesca. Depois de sua morte ela recebe um misterioso exemplar de A Linha da Sombra de Joseph Conrad vindo do Uruguai e salpicado de cimento.
A Casa de Papel fala de livros que mudaram destinos, como Sidarta, os de Hemingway, Dumas, Balzac, Faulkner. E lembraríamos Lobato, Zweig, Amado, Clarice, Borges, Mishima, e tantos outros encantadores de palavras.
A pequena obra nos reporta à Buenos Aires, paraíso de livrarias, e à magnífica Avenida Santas Fé com seus cafés e à majestosa Ateneu onde se pode perder de felicidade em meio a tantos livros, tanta vida e tanta história.
Fala também de Piglia, outro argentino, e de Borges, bússola moderna dos que lêem e escrevem. E da desordem dos apaixonados por livros, prateleiras repletas e poeirentas, da falta de espaço, de tempo e de dinheiro para se transformar no leitor que se sonhou ser.
Assim é a Casa de Papel que um dia cada leitor construirá feita de livros, sonhos e esperança, onde o leitor acaba por se transformar em escritor, e este em autor. Onde o homem solitário se encontra nos livros, decifrando sua vida nas palavras, naqueles mágicos objetos um sentido, como o Quixote, para quem a vida seguira um roteiro de livros lidos, ou Hamlet, que entra em cena lendo um misterioso livro, ou fingindo que lia, ou como o poeta Chinês Yan Tsen-tsai, que na noite fria, absorto na leitura de seu livro, esqueceu-se da hora de deitar e da bela companheira de leito que dominando sua ira lhe perguntou: Sabe que horas são?, no poema que Kafka copia e envia para a amada secretária Felice Bauer.
Mas qual poema misterioso estaria Bluma Lennon lendo ao ser atropelada?
“A palavra é morta quando é dita, alguns dizem. Eu digo que ela começa a viver naquele dia”.
Com este poema simples, a introspectiva Emily atravessa o tempo e atinge os corações e as mentes reflexivas.
O que é a palavra? Ela vive? Ela morre? Sobrevive a quem a pronunciou? Qual mistério a envolve e substancia? Qual a sua força?
O mistério da palavra é o mistério do pensamento. Ela é a expressão física deste e pode desaparecer. Ele não. O pensamento pode cruzar o espaço e o tempo e sobreviver como espírito, como chama, como sopro. Desaparece o som, a voz, fica o sentimento, o sentido, a raiz, a intenção, a emoção.
Assim é o homem-voz, expressão de um pensamento maior, anterior ao som e à palavra, misterioso arquiteto e habitante de uma Casa de Papel repleta de livros, histórias, idéias, biblioteca formada que é toda uma vida, muito mais que uma soma de momentos soltos.

Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br
neto.nagib@gmail.com

Tuesday, July 10, 2007

As Lições da Natureza

Salvar o meio ambiente significa salvar a humanidade da extinção.E a salvação humana prosseguirá sendo uma utopia enquanto não considerada, também, como auto-salvação.
A preocupação com o ambiente é uma modernidade positiva e construtiva porque é uma preocupação com o ser humano e desvia a nossa atenção de ódios e rancores ancestrais, da desmedida ambição e nos interna no futuro buscando melhores condições de vida no planeta para as gerações futuras.
Nestes tempos de violenta modernidade, o que se observa é o afastamento entre as pessoas e os povos, um distanciamento incompreensível provocado pela ignorância e pelos preconceitos. Assim como a corrida espacial desviou a atenção das duas grandes potências na década de sessenta, que na iminência do confronto olharam para o espaço e esqueceram-se de suas diferenças terrestres, ocuparmo-nos com o meio ambiente pode ser um fator de união de esforços humanos para a melhoria das relações com a Natureza e entre os seres humanos.
Apesar das agressões desferidas pelo ser humano, a Natureza continua sendo pródiga em suas lições. Fala-nos de renovação e continuidade, simplicidade e silêncio, atividade e beleza; as lições contidas nela são mais eloqüentes que tudo quanto os livros possam ensinar. Toda a obra humana poderia ser recriada por ser um reflexo de uma obra maior estampada na Natureza. Muitos valorizam mais as obras humanas, sem perceber que elas são um pálido reflexo de uma obra maior.
Apesar da incompreensão, da soberba e da teimosia humana em continuar trilhando pela equivocada senda do materialismo e do desrespeito à Criação, a Natureza dá-nos sempre uma grande lição de paciência. Todas as manhãs o esquecido sol ilumina os rostos e os corações humanos, parecendo advertir ao homem que sua inteligência necessita ser iluminada com os potentes raios do conhecimento superior. Todo amanhecer, mesmo nas sufocantes concentrações urbanas, sugere harmonia, atividade, beleza e esperança.
O afastamento da Natureza é uma das causas da angústia, do vazio e do sofrimento que experimenta o homem moderno. Aproximar-se dela deveria ser uma reverência diária do aprendiz que busca realizar os ensinamentos estampados nesta parte da obra divina. E se não se tem olhos para ver estes ensinamentos, será necessário ser instruído na arte de ver o invisível.
Desenvolvimento sustentável, além de responsabilidade social, crescimento inteligente e cuidado com o meio ambiente deveria significar desenvolvimento humano, solidariedade, respeito às diferenças e fraternidade. Nenhum país pode ser considerado desenvolvido ao arvorar-se na condição de manipulador de idéias e pensamentos para subjugar os demais. O mesmo acontece com as pessoas; a imposição traz consigo a impostura, presunção de uma superioridade fictícia; as pessoas inteligentes expõem ao invés de impor.
A crise ecológica que presenciamos é mais um sintoma da grave crise espiritual por que passa a humanidade. O ser humano desentendeu-se consigo mesmo, com os seus semelhantes e com o planeta Terra; as guerras têm suas causas neste desequilíbrio entre suas naturezas física e espiritual.
Embora sendo um ser indivisível, o homem traz consigo uma natureza superior que pode ter presença ativa na vida através da organização de seu mecanismo psicológico. E ninguém poderá fazer isto por ele. Essa organização é o princípio do autoconhecimento que lhe permitirá ter um domínio sobre o que pensa e sente, convivendo melhor consigo mesmo e com os demais.
As degradações das relações humanas nada mais são do que o sintoma do grande vazio promovido pela ausência daquela chama superior que o ser humano traz consigo, mas que jaz adormecida como a bela princesa dos contos infantis.
Quando boa parte da humanidade despertar do sono da indiferença e da inconsciência e puder influenciar positivamente as mentes incipientes que aspiram à paz, à felicidade e aos conhecimentos, a revolução ecológica – espiritual far-se-á sentir em muitas partes e a humanidade terá corrigido o rumo equivocado em que se lançou pelos obscuros caminhos do materialismo e da superstição.

Nagib Anderáos Neto
nagib@sobloco.com.br

Tuesday, July 03, 2007

Corrupção : Uma Doença Curável

O corrupto é um doente que não se julga como tal. Sua atitude é de total desprezo aos semelhantes em prol de sua insana ambição. A corrupção é uma praga social que contamina as empresas, as instituições e os governos. Os corruptos são os verdadeiros agentes da miséria, da desigualdade social e da criminalidade.

Os alcances da corrupção são vastos; poderíamos dizer que qualquer atitude visando benefícios próprios em detrimento dos demais é corrupção. O conceito é amplo porque abrange a posse de riquezas e poder em prejuízo de outras pessoas. Ela é tão danosa quanto as agressões ao meio ambiente e está muito ligada a estes crimes. A destruição da natureza e da juventude nas guerras que se trava contra o mundo e a humanidade é o produto perverso de mentes que se vêm corrompendo há séculos. Em ambos os casos a Natureza responde energicamente, mas as mentes endurecidas pela ignorância parecem não compreender.

O corrupto usa de todos os expedientes – o amparo da Lei e o nome de Deus – para consumar seus insanos sonhos de poder e riqueza.

Por detrás das atitudes do corrupto existe um pensamento obsessivo de cobiça que anula a inteligência e a sensibilidade da pessoa que é escravizada pelas quimeras de um materialismo doentio travestido de democracia, liberalismo e misericórdia. Lutar contra a corrupção implica combater esse pensamento que está em muitas partes, impregnado em nossa cultura, não tão obsessivamente como no caso do doente, mas com possibilidades de crescer e fortalecer-se, transformando uma pessoa honesta noutra corrupta, pois é um pensamento insaciável e perturbador que pretende colocar o ser humano a serviço exclusivo dos afãs de lucro, posse e poder.

A vida não pode se resumir numa carreira insana na direção de prazeres materiais que se esfumam no momento da posse.

Lutar contra a corrupção é tarefa de todo o cidadão em qualquer esfera, pois visa ao bem comum. É restringir o campo de ação daquelas pessoas doentias através de uma constante vigilância, tanto sobre os corrompidos como sobre os corruptores. E é também lutar contra os pensamentos ambiciosos que perambulam por aí fazendo-nos esquecer que a vida deve ter outros significados além da busca exclusiva por bens materiais.
Trabalhar pela educação, auspiciando o estudo e a cultura, é também uma forma de combater a cobiça, doença nefasta e base de toda a corrupção.

Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br

Monday, July 02, 2007

Um Estudo Sobre Rimbaud

A hora dos assassinos – o pequeno e mágico livro de Henry Miller – é um imperdível estudo sobre Rimbaud e também sobre o próprio autor; uma análise profunda sobre esta sociedade perdida e desorientada da qual fazemos parte.
A humanidade dividida, separada por crenças e regimes absurdos, submersa numa ignorância sem precedentes, perdeu a capacidade de se comunicar. O aparato tecnológico criou uma pseudocomunicação ruidosa, oca e sem sentido.
E ocorreu a maior de todas as tragédias: Deus desapareceu das mentes e dos corações humanos e foi substituído por ídolos de cera e de papel: o Deus morto de Nietsche e o desaparecido de Saramago.
O escritor americano amplificou o protesto de Rimbaud no século passado, triste século de guerras e destruição. E não fomos capazes de tirar proveito daquelas amargas experiências e voltamos a entregar a direção do mundo a fanáticos lunáticos do Ocidente e do Oriente.
Estamos a reeditar os grandes desastres que são as guerras promovidas por mentes corrompidas por ódios, rancores e preconceitos seculares.
A quem pertence a Terra?
Pertence aos que dispõem de maiores exércitos e marinhas. Aos que brandem o grande porrete econômico, protestou Henry Miller.
O que querem os governos?
Os governos não querem nada, querem apenas continuar sendo governo enquanto que a corrupção consome vidas e gera miséria e iniqüidade.
E o mundo vai se transformando em algo murcho, sem brilho, pois negra é a hora dos assassinos que estamos vivendo.
É mesmo verdade que o homem sequer começou a pensar, mas há nas profundezas de sua consciência adormecida uma esperança.
“Se um único átomo contém tanta energia, o que dizer do homem que contém Universos de átomos? Se é a energia que ele idolatra, por que não a procura em si mesmo?”
Sim, temos que concordar com Henry Miller e com Rimbaud, “temos que ser absolutamente modernos e nos afastar das quimeras, das superstições, dos dogmas para construir uma nova civilização,” e” produzir luz, e não iluminação artificial”, para que a humanidade do futuro não venha a protestar como o jovem poeta Rimbaud, e como Henry Miller, e como tantos outros, dizendo que tudo o que nos ensinam é falso.

Nagib Anderáos Neto.
www.nagibanderaos.com.br

A Curiosidade e o Interesse

A palavra interesse tem sua origem no latim e significa estar entre. Podemos dizer que é uma postura mental ativa diante de algo que nos chama a atenção. Leva-nos a aprofundar no objeto que estamos vendo ou analisando com os olhos mentais, a observação e o entendimento. Quando existe o interesse, os fatos, as sensações, as experiências fixam-se fortemente nos arquivos da vida, os da mente e da sensibilidade, sendo jamais são esquecidos. Podemos nos interessar por uma pessoa, um animal, um objeto, uma paisagem, um conhecimento. Deveríamos, antes de tudo, interessar-nos por nós mesmos; pelo que somos e poderemos ser. O interesse implica sempre numa responsabilidade, numa profundidade, e nunca na superficialidade, como no caso da curiosidade, que pôde ter sua utilidade nas primeiras etapas da vida do homem na Terra, como o tem para as crianças que reproduzem aquela fase da evolução da espécie, mas que quando adultas deverão substituir a curiosidade pelo interesse, a superficialidade pela profundidade.
Existe um tempo para a curiosidade e um tempo para o interesse, como um para infância e outro para a maturidade, embora devamos procurar manter em nossas mentes e em nossos corações a criança que fomos um dia como um tributo de gratidão àquela fase iluminada e feliz.
No livro Deficiências e Propensões do Ser Humano, o educador Carlos Bernardo González Pecotche caracteriza a curiosidade como um pensamento com origem num impulso instintivo, adequado ao rude homem primitivo e aceitável também nas crianças. E que no adulto este impulso natural pode se transformar num grave defeito que leve a pessoa a bisbilhotar a vida alheia, sempre ávida de informação, ocupando-se do que não deveria se ocupar e causando muitos problemas para si mesmo e para os outros. Grave defeito que tem distanciado tantas pessoas, pois o intrometido e indiscreto está sempre a vigiar os outros se esquecendo de si mesmo, que é quem mais deveria lhe interessar.
Para que a pessoa mude e se torne circunspeta, explica o educador, será necessário mudar esta postura curiosa e passar “do superficial ao profundo das coisas, do que não é transcendente ao importante e transcendente, da curiosidade ao interesse que se justifica no fim perseguido”.
A tarefa não é fácil e nem difícil. Exigirá a vontade e o empenho de quem pretenda deixar de ser curioso e superficial para interessar-se por motivos e assuntos que transcendam a vulgaridade que enfeitiça e hipnotiza as mentes que vagam sem uma orientação definida.
No mesmo livro o autor descreve o interesse como antípoda da indiferença, outro pensamento negativo que provoca ausência mental e sensível da pessoa em relação ao que lhe rodeia. Uma indiferença que pode surgir de fracassos, derrotas e levar uma pessoa a ficar doente pelo desleixo com a saúde, ou até ao suicídio em casos extremos.
E conclui o autor exortando a quem padeça do mal da indiferença para que lute contra esta tendência negativa: “A vida não deve ser indiferente a nada. A morte, sim, é indiferente a tudo, e a frieza da indiferença assemelha-se, eloqüentemente, ao mutismo da tumba”.
Tais palavras nos trazem à recordação a Comédia de Dante onde o poeta diz que “o pior dos suplícios é sentir-se morto sem acabar de morrer, é sentir-se quase vivo estando morto, e, ansiando morrer, seguir vivendo”.

Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br