Monday, September 27, 2010

Eleições e Palanque

O estímulo à iniciativa privada deveria ser base de toda política desenvolvimentista. O homem de iniciativa cria trabalho para si e outras pessoas. Às classes trabalhadoras se deve dar oportunidade de trabalho e iniciativa. Todo assistencialismo é pernicioso por acomodar o assistido, como a esmola que vicia, paralisa, entorpece.
Uma política econômica inteligente deveria estimular a iniciativa privada. Juros e impostos em ascensão desestimulam a produção gerando desemprego, estagnação e inflação.
Um governo mal gerido e endividado toma dinheiro no mercado para pagar sua ineficiência gerando inflação. Ao invés de estimular a educação e a iniciativa, promove o assistencialismo, aumenta sua dívida e encobre seus rombos através da desinformação e da tergiversação.
Para manter-se como governo indefinidamente, os partidos no poder negociam alianças que garantem votos através de gastos públicos indevidos, utilizando o dinheiro que lhes chega através de impostos crescentes e juros exorbitantes. Em outras palavras: o bolso do povo é subtraído legalmente através de conluios que aqueles partidos arquitetam.
Mas se é o próprio povo quem elege os governantes, onde está o problema?
Não podemos nos conformar com a crença retrógrada de que o voto implique democracia. O governo do povo para o povo deveria representá-lo, cumprindo seus anseios e a Lei Maior que não pode ser letra morta. Educação, saúde, trabalho, segurança e proteção ao meio ambiente deveriam ser os temas que ocupassem as mentes do homem público, e não a forma de se chegar ao poder e ficar nele indefinidamente.
O absolutismo partidário impõe os candidatos que lhes são convenientes para que se perpetuem. O eleitor é obrigado a votar, e por imposição. Prova disto é o eterno retorno daquelas figuras histriônicas que estão sempre a se reeleger, não para servir o povo, senão a si próprios. A política, que deveria ser a arte de gerir o bem comum, transformou-se na arte de chegar ao poder e permanecer nele indefinidamente, até que uma força maior leve o político deste mundo para sempre, mas logo sendo substituído por outro igual, como uma praga que nunca se extingue.
O bem estar comum depende do incremento constante à livre iniciativa para o que os governos se tornaram grandes obstáculos. O desestímulo à produção gera inflação, aumento do custo de vida.
Uma fórmula básica de incremento à iniciativa é a educação que amplia a inteligência das pessoas e sua capacidade de produção e boa convivência. Mas os governos são muitos caros e gastam muito para se manter no poder, não lhes sobrando quase nada para a educação.

Muitos políticos parecem atores de telenovela que representam papéis que na vida real jamais poderiam desempenhar. Um ator que nunca cursou uma faculdade desempenha o de um economista, um administrador, um professor, um gestor público. Isto porque a política, que deveria ser a arte de gerir o bem comum, passou a ser a arte de chegar ao poder e permanecer nele, discursar e predicar, candidatar-se e eleger-se vitaliciamente. Ela não é somente exercida nos governos em suas diversas esferas. Os políticos estão por aí, nas empresas, associações, sindicatos, nos conluios e panelinhas, sempre a atender sonhos de poder e projeção. A ambição não olha apenas para a riqueza, olha também para os insanos sonhos de poder. Os políticos são, em geral, personalidades movidas por pensamentos farisaicos, medievais, cruéis. E estes pensamentos devem ser combatidos, pois todos nós temos um pouco destas manchas em nossas mentes que endurecem os corações.
Numa sociedade em que a raiz de todos os problemas reside na ausência de um sistema educacional eficaz, menosprezar a cultura e a educação é a política mais retrógrada pela qual se possa optar.
No mundo dos engenheiros e dos arquitetos é comum ouvir-se dizer que o papel aceita tudo. No triste mundo da política, cunhou-se um jargão piorado: o palanque, as câmeras e os microfones aceitam tudo.
Para que o capital não comande o trabalho, os grandes cresçam e os pequenos desapareçam; para que a burocracia gerencial, sindical e governamental deixe de atravancar o progresso; para que a massa popular deixe de ser rebanho, obedecendo, trabalhando, consumindo e se divertindo apenas, urge uma verdadeira revolução educacional que governo nenhum estaria prestes a realizá-la.
Como bem disse o Marquês de Condorcet, “sob a mais livre das constituições, um povo ignorante será sempre escravo”.

Nagib Anderáos Neto
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Monday, September 20, 2010

Bruna, Borges e o Outro

Onze de Agosto de 2001.Biblioteca Nacional em Buenos Aires.A palestra por se iniciar. No saguão, enquanto uns fumavam e outros contemplavam a galeria com as fotos dos imortais, um jovem brasileiro cochicha no ouvido da namorada: “Quem é este tal de Borges?”

A palestra versaria sobre o centenário de nascimento de outro argentino ilustre, o pensador e humanista Carlos Bernardo González Pecotche.

Recordei-me da linda atriz brasileira que se transformara em escritora e que numa infeliz entrevista dissera que nunca ouvira falar de Fernando Pessoa que eu conhecera tardiamente, em setenta e dois, como o poeta argentino, em noventa e dois. Quanta perda de tempo! Tempo perdido não volta mais, ele flui como o rio de Heráclito e a areia que desce firme e decidida na ampulheta.

Por muito tempo achei que àquele jovem iletrado faltava muita coisa. Depois compreendi que todos fomos iletrados um dia - se ainda não o somos - , e muitos tiveram paciência conosco. Bondade, mais bondade é o que faz falta; palavras mágicas que ecoavam em meus ouvidos há muito tempo, e que eu deveria ter lido nuns escritos de González Pecotche. Se eu não tenho paciência com os outros, como poderiam tê-la comigo? A Natureza ensina paciência. O sol ensina paciência.

Recordei-me do Livro de Areia, do Outro, onde Borges maduro encontrava com o outro Borges, o jovem, em 1969, ao norte de Boston, em Cambridge, e os dois conversam sobre a eternidade, a juventude, a velhice, a morte e a arte. Falam da família, do pai morto e seus gracejos contra a fé, o defunto com uma mão de criança sobre a mão de um gigante, e um Jesus a falar como um gaúcho através de parábolas, para não se comprometer.

Borges deixou um exemplo grandioso: a criação não depende dos olhos sãos, do computador ou da parafernália eletrônica. Foi capaz de produzir a parte ponderável de sua obra depois de adentrar a escuridão, desmistificando a idéia de que a tecnologia e a visão física perfeita pudessem trazer uma felicidade completa. Borges criou e sobreviveu, apesar da cegueira, como Cervantes, apesar da prisão.

O maior cego não é o que não pode ver, mas o que não quer entender.

Falaram sobre livros e sobre Whitman – o incapaz de mentir -. Num de seus poemas, Walt Whitman descreve a desconcertante experiência ao assistir a uma palestra de um grande astrônomo que apresentava seus gráficos, números, mapas, diagramas, e se enfastia, se aborrece com aquelas explicações acadêmicas, saindo, então, do auditório, e, à rua, “no ar úmido e místico da noite” pode olhar, “em perfeito silêncio, para as estrelas”.

A expressiva lição da realidade da infinitude do Universo que nos cerca bem como do mundo mental que a tudo interpenetra e compõe deveria ser muito mais bela e instrutiva do que a mera racionalidade pudesse descrever. ”Não posso conceber nenhum ser mais maravilhoso que o homem”, dizia o poeta da meia – noite, do sono, da morte e das estrelas, que se autoconsiderava uma espécie de deus libertador americano.

A poesia de Whitman é saudatória, como a de Fernando Pessoa, quando o poeta português saúda-nos, deseja-nos sol e nos dá a sua poesia. Ao despedir-se dos seus versos, do alto de sua janela, após concluir que passa e fica, como o Universo, deseja para si mesmo – e para sempre – um cenário como aquele: um dia cheio de sol.
No poema Eros e Psique, ele relata a aventura do Príncipe fadado a procurar pela Princesa dormida e descobre, ao final da aventura, que ele mesmo era a Princesa que dormia.

Para González Pecotche, existe no interior de cada indivíduo um ser encantado, adormecido, encoberto e escondido que quer se manifestar. O encontro de Borges consigo próprio num tempo qualquer do passado poderia estar representando a culminação de uma procura incansável que muitos jamais chegam a concluir.

Depois de alguma conversa, Borges e o outro sobrenaturalmente se despediram e nunca mais se viram, nunca souberam ao certo se aquele encontro e aquela conversa foram reais, da mesma forma que eu não sei se aquele jovem brasileiro era uma personagem ou alguém que realmente existiu.

Nagib Anderaos Neto
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O Ditador Deve Morrer

O artigo fora publicado em 1941 numa importante revista cultural de Buenos Aires e chegou às minhas mãos recentemente. Naquela época o mundo estava infestado de personagens teatrais que pretendiam resolver todos os problemas com discursos inflamados, violência e enganação. Nada muito diferente do que ocorre hoje em dia quando os atores são mais astutos e tão tergiversadores como aqueles: Mussolini, Hitler, Perón e Stalin que fizeram escola pelo mundo afora.

O artigo falava dos verdadeiros ditadores e não daqueles seres que deveriam ser apagados da história humana. Sua atualidade é indiscutível porque os verdadeiros ditadores não morreram, continuam muito vivos, porque são muito sabidos, muito mal sabidos.

“Cada ser humano, desde que balbucia as primeiras palavras e põe de manifesto seus desejos, mostra com clareza meridiana a presença, dentro de si, de um ditador que se empenha por impor a própria vontade pretendendo, como conseqüência de tão caprichosa inclinação, que todos lhe façam o gosto, quer dizer, que lhe obedeçam.”

Com esse lance ágil da inteligência o autor tira o foco das atenções daquelas figuras centrando-o no próprio leitor: cada ser humano carrega dentro de si um ditador que deve ser eliminado; aquele ser inflexível que imagina que o mundo existe para servi-lo; que vê no opositor um inimigo; que não aceita nenhuma idéia diferente da própria; que traz no cenho carregado a imagem do dominador implacável.

E o autor prossegue explicando que esse ditador é a “soberba embebida de amor-próprio” e que é muito difícil matá-lo. E finaliza concluindo que “a sensatez adverte que todo proceder correto, nobre e amplo haverá de inspirar simpatia e confiança, enquanto que a postura caprichosa, autoritária e intransigente, conspirará contra a própria personalidade”.

“A soberba é a mente embriagada de ficção, o absolutismo do instinto, a negação da sensatez, o reverso da compaixão” escreveu o autor no livro Deficiências e Propensões do Ser Humano onde são esquadrinhados os defeitos mais comuns aos seres humanos e apresentado um interessante método de combate a estas características psicológicas que tanto nos fazem sofrer. E diz também que o amor-próprio “conduz o ser à egolatria, ao egocentrismo, e é a causa constante de sua má colocação onde quer que atue. Este pretende sempre o que nega aos demais. Esquece a lei de correspondência que obriga à reciprocidade do amor, do respeito, da consideração e demais deveres entre os seres humanos, e busca, em troca, embriagar-se com acentos da admiração que a si tributa”.


Quando González Pecotche escreveu esse artigo deveria estar com quarenta anos. O jovem pensador iniciara, onze anos antes, um grande movimento humanista que da Argentina se espalharia pelo mundo. Conhecido e reconhecido por sua inteligência e coragem, criara, no início daquela década, a revista Logosofia que cumpriria importante papel na divulgação de suas idéias num período em que a publicação de livros estava dificultada em função da grande guerra engendrada por terríveis ditadores. A nova ciência conformava, no seu dizer, uma especialidade científica e metodológica que tratava da reativação consciente do indivíduo.

Por isso a atualidade do conteúdo comentado: cada um de nós haverá de identificar, combater e eliminar o ditador pretensioso que se disfarça qual camaleão nas profundezas da própria psicologia.

Nagib Anderáos Neto

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Tuesday, September 14, 2010

O Mito de Pandora

Zeus – o deus supremo da mitologia grega - é fruto de uma complicada teogonia que se assemelha à genealogia humana. Bravo e vingativo, o deus dos gregos casou-se inúmeras vezes gerando uma sucessão de outros menores: Apolo, Hebe, Hermes, as Musas, etc.
Diz-se do estranho chefe do Olimpo que havia ódio em seu coração e que tinha prazer em castigar os homens. E que certa vez, para vingar-se de certo humano de nome Prometeu que roubara uma faísca do sol para com ela iluminar a inteligência dos homens, o mal humorado superintendente celeste resolve castigá-los fazendo-os se perder para sempre por meio de uma mulher extremamente bela, detentora de todos os dons, Pandora, a primeira mulher!
Ela é criada e enviada a Epimeteu (o que vê depois), embora Prometeu (o previdente) houvesse aconselhado seu irmão a não aceitar nenhum presente de Zeus de quem desconfiava muito. Ela traz consigo do Olimpo um presente de núpcias para Epimeteu: uma arca de ouro hermeticamente fechada.
Segundo Hesíodo, o poeta camponês, Pandora teria aberto a caixa levada pela curiosidade ,de onde saem todas as desgraças e calamidades para os homens que viviam tranqüilos e felizes até então. Ao fechá-la, rapidamente, conseguiu prender em seu interior a esperança que por séculos ficaria encerrada como uma promessa de retorno aos felizes e ditosos tempos da infância da espécie humana sobre a Terra.
A curiosa lenda traz consigo aspectos interessantes relacionados com outras lendas e crendices que fazem parte de outras culturas, e com muitos preconceitos que até hoje sobrexistem.
Sobre a curiosidade da primeira mulher, que muito tem a ver com a indiscrição, e que não é somente feminina, e suas conseqüências desastrosas , pode-se dizer que na história real do ser humano ela transformou-se num terrível defeito que tem causado muitas desgraças e calamidades; que conduz ao intrometimento, à indiscrição, à superficialidade, à vulgaridade, ao efêmero. Compreensível no homem pré-histórico e nas crianças, que de certa forma reproduzem a evolução da espécie desde os primeiros tempos, e também nos homens de ciência em suas investigações, é inaceitável para o homem de hoje quando o torna distante de si , atento a tudo quanto ocorre ao seu redor, mas alheio ao que ocorre com sua pessoa.
O mito de Pandora pode nos levar a muitas conclusões; desde a inutilidade de um deus vingativo até a necessidade de se transcender estados inferiores de evolução; a necessidade de rever os preconceitos que existem em relação à mulher cuja graça e beleza não poderiam nunca ser invólucro do pecado e da desgraça especialmente encomendados por um Zeus duvidoso.
A esperança, providencialmente encerrada na caixa de Pandora, residiria na possibilidade da superação das condições humanas a partir da evolução pessoal de cada indivíduo que sentisse a necessidade de construir um mundo melhor para si e para a humanidade .

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Educação Para o Desenvolvimento

Uma nova pedagogia requer a reeducação dos adultos que terão a seu cargo a instrução da humanidade do futuro. O que tem sido prática corrente na educação infantil deverá ser revisto, reestudado. Os sistemas de instrução e os conceitos básicos empregues não têm funcionado convenientemente. Instrui-se para tudo, menos para o que mais interessa: a convivência pacífica do indivíduo consigo e com os outros seres humanos.

A humanidade está dividida em raças, religiões, camadas sociais, culturais, partidos políticos, etc. Os sistemas pedagógicos são divisionistas, separatistas. Cada agrupamento arvora-se como dono absoluto da verdade, não compreende que ela surge da união das pessoas pela compreensão de sua realidade fragmentada da Grande Realidade Universal da qual todos formam parte.

Às crianças ensina-se que devem ser as melhores em tudo o que fazem; melhores que as outras. Inocula-se, desde muito pequenas, o nocivo e maligno vírus do separatismo, de uma pseudo-superioridade; a ilusão da felicidade alcançada quando se chegar a ser melhor do que os outros. No futuro as crianças serão instruídas no sentido de serem melhores que elas mesmas; que o aperfeiçoamento pessoal tenha um cunho essencialmente humanista: ser melhor sendo mais útil para si e os semelhantes.

O amor ao próximo deixará de ser uma figura de retórica para representar a compreensão cabal de um fragmento da Grande Verdade e será vivenciado, experimentado, e não apenas discursado .Sem o entendimento não há compreensão. Sem compreensão não há realização. Sem realização, os seres humanos seguirão inimigos de si mesmos, filhos deserdados de um Criador que não chegaram a compreender.

Um dos investimentos de maior retorno é o empregue na educação. Quantos esforços e sacrifícios para que os filhos possam estudar; quantas frustrações quando isso não é possível.A educação básica é necessária para o encaminhamento das soluções dos problemas materiais, mas insuficiente para a solução dos de convivência, morais e espirituais. Muitas pessoas, com esmerada educação convencional, são desprovidas da integral, humanitária, moral, familiar, que parece ser algo que não se aprende nos bancos escolares.Falta ao ser humano uma educação para a vida relacionada à conduta.As dificuldades na convivência, na adaptação à realidade do mundo, as tristezas e a insatisfação tão comuns hoje em dia têm sua raiz nessa falta de capacidade pessoal que escola alguma tem ensinado.

No âmbito da educação convencional é possível compensar a sua falta através da aquisição de uma cultura geral obtida através de leituras e viagens que se possa fazer preenchendo aquele vazio. Pode-se viajar através dos livros e sobre as asas do pensamento de um autor que nos leve a zonas de conhecimentos que nunca imagináramos pudessem existir.

Ao que tudo indica, parece ser o aprendizado, a busca e a conquista de conhecimentos, a finalidade maior da vida do ser humano no planeta.Saber e conhecer são a questão do momento, uma nova cultura que deverá orientar a humanidade do futuro .

A arte da educação mental consiste num constante e diário treinamento da inteligência; num preparo dessa zona mental que tem sido pouco utilizada no dia-a-dia e que corresponderia às atividades relacionadas ao autoconhecimento e aperfeiçoamento das condições pessoais. Assim, o adestramento da capacidade pessoal de observar ou faculdade da observação consistiria num treinamento para desenvolvê-la.

Muitas vezes as pessoas assumem atitudes das quais se arrependem como se houvesse no interior delas uma força maior que as impelisse a tomá-las contrárias à sua sensibilidade e vontade. Isto ocorre por existir na mente dos seres humanos pensamentos que atuam discricionariamente.A arte da educação mental consistiria na identificação e conhecimento dessas entidades psicológicas, os pensamentos, e num trabalho seletivo que a inteligência poderia exercer sobre eles.

Muitos educadores preferem a verdade à fantasia na orientação da infância e adolescência. Compreendem que de tanto ouvir e transmitir fantasias e coisas irreais, a vida pode se transformar numa grande mentira.Alguém diria a uma criança que a Terra não se move e que é o centro do Universo? Ou que os trovões existem porque os deuses estão empurrando móveis no Olimpo?Na infância da humanidade os homens acreditavam nessas e noutras fantasias por ignorância, falta de conhecimento. Galileu Galilei, o grande cientista italiano, quase foi queimado na fogueira por sustentar que a Terra não era o centro do Universo. Salvou-se porque abjurou, negou a verdade que havia vislumbrado para não ser condenado.Infelizmente, a grande maioria dos educadores acha louvável a fantasia, a ilusão e o irrealismo nas histórias que transmitem às crianças: animais que falam, super-heróis que voam, desenhos animados que não educam e transmitem a violência às crianças que depois, quando adultas, não entendem o porquê das crueldades e violência que imperam no mundo.A criança cria suas fantasias porque em sua inteligência incipiente só funcionam a memória e a imaginação e seu entendimento ainda não despertou para que compreenda o mundo com suas belezas e maldades criadas pelo homem. Não é necessário que os adultos lhe venham acrescentar ilusões e mentiras que nada têm a ver com a realidade, e sim que a protejam de certas realidades cruéis deste mundo que ela não suportaria defrontar por não estar preparada para entender.Proteger o entendimento e a sensibilidade de uma criança faz parte de uma docência positiva que afasta o pequeno do sofrimento pelo choque prematuro com a realidade. Da mesma forma, o seu entendimento deve ser preservado da mentira, do irrealismo e da ficção para que possa despertar, no futuro, livre de preconceitos, temores e da depressão.

Educar para a vida é muito mais do que dar escola gratuita e ensino fundamental; é preparar os entendimentos para que despertem do sono milenar que tem submergido a humanidade na inércia mental e prostrados os espíritos nos cárceres da ignorância.

A causa de toda a pobreza é a ignorância. E não há outra forma de combatê-la que não seja através da educação. Muitos países ditos em desenvolvimento vão de encontro à história pelo mau exemplo de seus governantes que privilegiam o assistencialismo inócuo, mergulhando o povo na inércia, ao invés de estimular o estudo e a iniciativa.Não há maior inimigo da liberdade que a ignorância. E não há maior ignorância que a ausência de si , a inconsciência dos que se encarceram por detrás dos barrotes de preconceitos e idéias medievais e retrógradas.

Ao mesmo tempo em que o homem traz dentro de si o anseio por liberdade, também traz a tendência à submissão, por acreditar em coisas inverossímeis, cultivar ídolos, idolatrar místicos fantasiosos, apesar de todos os homens terem o anelo de serem felizes.Essas tendências aparentemente paradoxais são frutos psicológicos de uma característica inerente ao homem: ligar-se aos outros, não ser uma pessoa isolada, comunicar-se.Talvez aí a explicação das seitas, religiões, ideologias, partidos políticos e fanatismos que não justificam aquela tendência.

A lição da pobreza ensina que o maior cego não é o que não quer ver, senão o que não quer entender. E que ajudar os outros é a melhor maneira de ajudar a si mesmo. E que mais que dar o peixe ou ensinar a pescar, o fundamental é ensinar a pensar. E nunca pretender ensinar antes de haver aprendido. E que pensar é, antes de tudo, criar.

O homem nasceu para ser feliz e aprender que a maior de todas as felicidades é saber, conhecer e ser livre. A maior das escravidões é a mental, onde o homem se vê encarcerado na ignorância, a pior das prisões: o desconhecimento da sua realidade, das causas dos erros e desacertos. Quem se desconhece é um presidiário na própria casa, embora perambule em aparente liberdade pelas ruas cercado por temores e incertezas.

A verdadeira torre de Babel está aí. Os que falam o mesmo idioma não se entendem.Tudo indica que a linguagem inscrita na Natureza ainda não foi decifrada pelo pequeno homem pretensioso, vaidoso e político.Homens divididos são domináveis, escravizados pelos que em tudo veem a possibilidade de satisfações materiais, cegos por inconfessáveis ânsias de domínio, poder e riqueza.

Pensar é respirar. O Universo respira por mais que queiramos abafar e aquecer o pequeno planeta com o gás sufocante do progresso. A Terra é um ínfimo na Criação imensa. A inteligência não, ela pode ser maior. A alma pode transcender este hiato decaído e se projetar num futuro ilimitado, onde os homens sentirão a alegria de viver e serem humanos.

Os déspotas, os impostores e os predicadores são os inimigos da liberdade que não querem que o homem pense e seja livre. O ser humano não nasceu para viver isolado e nem acorrentado.

O ideal de fraternidade permitirá que o homem se aproxime de seus semelhantes através do conhecimento e da cultura, únicas riquezas capazes de tirá-lo do sofrimento e do isolamento.

Os inimigos da educação e da cultura são os inimigos da liberdade e do povo.

Nagib Anderáos Neto
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Friday, September 10, 2010

Onze de Setembro e a Edificação do Futuro

Diziam que depois do ataque de onze de Setembro Nova York não seria mais a mesma cidade. Como duas grandes antenas a captar e enviar sinais para o mundo, as torres gêmeas ratificaram sua condição de símbolo, metáforas do progresso e da ousadia humana que atraíram a ira dos que pretenderam salientar o inconformismo dos que se julgam excluídos.
Nas visitas que fiz à cidade, não cheguei a subir naquelas torres, ponto obrigatório de visitação. O Empire era mais acessível. Uma caminhada pela Quarenta e Oito até o grande edifício poderia ser emoldurada com aquela ascensão vertiginosa e com a exuberante vista de se perder o fôlego. Da estátua à ponte do Brooklyn, ao Parque Central e à visão longínqua de New Jersey, o olhar circunferente extasiava-se com a visão maravilhada das alturas, da imensidão, com o som abafado da vida que não parava nunca e com uma ponta de terror pelo balançar cadenciado da estrutura que o observador atento não deixava de perceber. Ao olhar maravilhado somava-se uma sensação dolorosa de opressão, impotência e terror.
Enquanto isto, cenas do quotidiano estariam ocorrendo lá embaixo, não menos deslumbrantes ou emocionantes para o turista e o cidadão comum que adotaram aquela vibrante cidade como sua.
Poderia ser uma visita ao Frick Collection onde a arte e a criação humana desfilavam defronte do olhar do visitante apressado ou uma caminhada despreocupada pelos meandros do Grande Parque, hiato verde e paradoxal em meio aos blocos de concreto e avenidas, ou um café na calçada da Avenida Columbus à sombra do arvoredo que circundava o Museu de História Natural. Poderia ser um inesperado show de Frank Sinatra no Radio City ou uma caminhada interminável pela Broadway, desde a cidade alta até o Bairro Chinês. Poderia ser uma visita ao Metropolitan, ou uma emocionante parada no florido Strawbery Fields, presente da Ono ao pacífico Lennon. Uma visita rápida à Grande Estação onde os filmes do passado, gangsteres e despedidas chorosas voltassem à mente através da grande tela da recordação. Tudo sempre muito familiar, pois aquela cidade fizera parte do imaginário de quem conheceu São Paulo na década de cinqüenta, uma fotografia que nada devia à grandiosa metrópole americana dos contrastes.
A cidade ia se acostumando aos estandartes ausentes das torres gêmeas que foram arte, arrojo, engenharia e história.
Não pude deixar de me surpreender ao ler um artigo que fora publicado em Buenos Aires no ano de mil novecentos e quarenta e um em que o autor apontava para o perigo das edificações muito altas, alvos fáceis para o bombardeio inimigo que já se iniciara nas capitais européias. Convocava engenheiros e arquitetos para estudar as edificações do futuro.
“Nas cidades, os edifícios não deverão oferecer mais estes alvos impossíveis de dissimular e proteger, e se haverá de edificar sob a terra, profundamente, caso se queira preservar a indefesa população civil de perecer envolta em chamas ou esmagada pelo desabamento das gigantescas obras arquitetônicas”.
Com essas palavras, González Pecotche vaticinava as catástrofes que sucederam aquele mês de Julho de quarenta e um, em plena guerra, e que continuam ocorrendo até hoje, e conclui: “Tanto o homem faz e desfaz que, a continuar assim, chegará até a perder, definitivamente, a razão, e com ela todas as prerrogativas de seu gênero”.
Onze de Setembro de dois mil e um deixou para Nova York e para o mundo uma grande lição: a necessidade da reconstituição do edifício humano sobre as sólidas bases da compreensão, do respeito e da tolerância, se não quisermos perder,como disse Pecotche,todas as prerrogativas de nosso gênero.

Nagib Anderáos Neto
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Monday, September 06, 2010

Dias Chuvosos

Os dias chuvosos trazem sempre alguma compensação. Mesmo nos ociosos momentos à beira-mar, é possível dedicar algumas horas à leitura e à meditação que haverão de significar um saldo útil para a vida.
Em Um Casamento em Florença, Somerset Maughan conclui a obra com a frase pronunciada por Rowley: “Minha querida, é para isto que a vida foi feita: para nos arriscarmos”.
É certo que há riscos permanentes nela, desde o dia que abrimos os olhos para este mundo, mas também que podemos construí-la como o resultado de nossos pensamentos e conduta.
O romance de Somerset culmina com o casamento de Rowley e Mary. Ele a ama verdadeiramente e está disposto a correr um risco calculado, pois o passado de Mary não se constitui suficiente credencial para que se possa garantir que o casamento não seja um desastre, mas, como escreveu Platão no Banquete, “se verdadeiramente os deuses sabem apreciar a força que nasce do amor, mais apreciam e recompensam se é o que ama que se sacrifica pelo amado. E a razão é esta: o que ama é, de certa maneira, mais divino que o objeto amado, pois possui em si a divindade; é possuído por um deus”.
Assim, Rowley arrisca-se por sentir em si a força da divindade que lhe dá confiança, esperança.
No mesmo Banquete, ainda falando sobre o amor e a imortalidade, Platão, através dos lábios de Sócrates, ali convertido numa personagem, diz que “a procriação e o nascimento são coisas imortais num ser mortal”.
A procriação é um sinal de imortalidade que é uma aspiração humana e se confunde com a aquisição do Bem e da Verdade; o amor, com a imortalidade. A natureza mortal é impelida à imortalidade. A procriação, no entanto, não se resume, apenas, na física, senão que pode e deve significar a procriação mental e sensível: criar pensamentos e sentimentos que possam perdurar no tempo, independente dos dias e anos que se resumem numa vida e que podem transcender o limitado trecho contido entre o dia do nascimento e o do desenlace fatal.
Assim é como o criador ama o que criou ou o que procriou. Pode ser um filho, um pensamento, uma pequena obra, porque ele vive ali e pressente que este é um sinal de eternidade.
É possível criar pela fecundidade do corpo como pela do espírito que permite o surgimento de pensamentos, sentimentos e virtudes que podem beneficiar uma família, um Estado ou toda a humanidade.
O entendimento do que seja a eternidade e a possibilidade de experimentá-la no físico existir está intimamente ligado à experiência pessoal do criador, aprendiz feito à imagem e semelhança de um grande Criador que está constantemente a lhe segredar todas as possibilidades que estão abertas para os que têm ouvidos para ouvir e inteligência para entender.
“Tudo quanto façamos aqui na Terra tem que ser grato ao nosso espírito e encerrar um valor positivo para a nossa existência”, escreveu o pensador González Pecotche.
Há, nestas palavras, um vislumbre da eternidade através das obras pessoais, da realização individual.
Para o pensador , a consciência individual do homem pode ser ampliada no processo da vida através da evolução que implica a aquisição de conhecimentos e a criação mental. Ela pode, também, sucumbir debilitada pela inércia, desaparecendo do cenário humano para dar lugar a um outro movimento. A ampliação dos conhecimentos tem a ver com esta sede por eternidade, ou com a fonte da eterna juventude que os antigos pressentiam e procuravam.
A ampliação da vida se tornará possível expandindo-a nas obras, nas criações e nas pessoas com as quais se tem a possibilidade de conviver e deixar nelas as marcas daquele que por aqui passou, foi útil a si e aos demais.Isso seria muito maior que a imortalidade através da arte mencionada por Platão. Essa sede por eternidade nos permitirá projetar um futuro e construir um passado que poderão converter-se num grande e infinito presente.
Se num dia ensolarado podemos vislumbrar um amanhã melhorado, os dias chuvosos podem nos fazer recordar do sol e pressentir a eternidade.

Nagib Anderáos Neto

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