Thursday, March 10, 2011

Agnosticismo Versus Conhecimento

Tudo o que sei é que nada sei, teria dito Sócrates, a personagem de Platão. Eu menos, pois nem sei se nada sei, escreveu Fernando Pessoa no poema Agnosticismo Superior.
O agnosticismo só admite conhecimentos adquiridos pela razão e evita qualquer conclusão não demonstrada. Ele trata as questões metafísicas como discussões inúteis, por serem, em sua visão, realidades incognoscíveis.
Quem formulou o tema por primeira vez foi o biólogo inglês Huxley no século XIX. Em sua origem, a palavra significa aquilo que é oposto ao conhecimento. O sentido empregue pelo cientista parece ter sido de que Deus jamais poderia ser conhecido.
Os homens criaram um deus a sua imagem e semelhança, uma personagem na qual se poderia acreditar ou não. Nesse sentido, o agnóstico seria a pessoa que não aceita ou não acredita naquela invenção, pois o deus criado pelos homens expulsou-os do paraíso por terem eles provado o fruto proibido do conhecimento, quando uma inteligência esclarecida haveria de supor que somente através dele, o conhecimento, se poderia aproximar-se Dele.
Paradoxalmente, os agnósticos não acreditam também na não existência de Deus, pois da mesma forma, para eles, que a existência de Deus não pode ser provada pela razão, sua inexistência também não o pode.
São lucubrações realmente confusas. Se Deus se confunde com a própria criação, como um homem se confunde com sua vida, seus filhos, seus amigos, suas obras, Ele pode, sim, ser conhecido.
O conhecimento do Universo físico, tal como a ciência tem empreendido, é uma forma de se chegar a Ele. O conhecimento da figura humana em sua conformação psicológica e espiritual, alem da biológica, é também uma complementação daquele. Pensamentos, sentimentos e emoções não são físicos, manifestam-se através do corpo, mas são metafísicos e cognoscíveis. Se atentarmos bem, a realidade do mundo metafísico é tão ou mais eloqüente que a do físico, por ser aquele o mundo das idéias, dos ideais, dos projetos, dos sentimentos, dos pensamentos e sonhos. Ao sonhar, podemos vivenciá-lo como quando experimentamos uma maçã. Todo artista toca neste mundo ao criar a sua obra e experimenta uma sensação sublime e indizível ao fazê-lo. Qualquer ser humano ao sonhar adentra a este mundo ao tornar-se ator e espectador naquela viagem.
Para os evolucionistas, o homem e o macaco teriam uma ascendência comum. Eles descartam a existência de Deus e concebem todo o Universo como obra do acaso. Os criacionistas cristãos acreditam que Deus criou o mundo como ele é; e assim também o homem. Os criacionistas evolucionistas julgam que Deus criou e foi o início de um Universo em permanente movimento, evolução e transformação, e que está presente em sua Obra.
Não podemos deixar de considerar que a biologia evolutiva é uma realidade e que há muito o que descobrir e aprender sobre o processo evolutivo. A realidade da evolução é incontestável; e o homem pode experimentá-la dentro de si conscientemente, e não apenas constatá-la materialmente. A evolução não se dá apenas por seleção natural. No homem ela pode ser realizada por seleção mental de pensamentos e idéias que tendam à evolução. Por tal fato, não é uma ilusão ponderarmos que somos súditos privilegiados nesta parte do Universo conhecida por termos mente e sensibilidade; capacidade de criar.
A crise que se vive, mais do que ambiental e cultural é uma crise espiritual que tem afastado o ser humano de seus irmãos pelos fanatismos, pela idolatria e a ignorância. Tudo evolui. O homem precisa evoluir, mental e espiritualmente falando, para deixar de ser cético e crente no que desconhece. Só o conhecimento libera; e a ele não se chega senão através de processos que tendam à evolução.
Não somos um tipo de macaco que reluta admiti-lo. Somos seres humanos que evoluem biologicamente e que podem chegar a fazê-lo espiritualmente se decidirem tomar as rédeas do destino e transformar-se psicológica e espiritualmente; à matemática biológica se deverá agregar a psicológica e espiritual que permitirão a complementação da evolução material. O Universo e o homem não são relativos.
O ponto de conciliação entre criacionistas e evolucionistas parece ser aquele que aponta o Universo como a face visível de Deus, e suas Leis, a invisível.
O homem nasceu para ser livre. Sua tristeza é ver-se acorrentado à escravidão mental imposta por preconceitos que sobrevivem em sua mente incompreensivelmente. Cada qual pode ser seu próprio Deus experimentando aquela liberdade e a consciência de existir. Os grilhões mentais são mais cruéis que os que sangravam os corpos de nossos antepassados que aqui foram a nossa vergonha e também a de Darwin.

Nagib Anderaos Neto
WWW.nagibanderaos.com.br

Labels: , , , , , ,

Saturday, March 05, 2011

O Leitor Guevara

Guevara é capa do livro O Último Leitor do escritor argentino Ricardo Piglia; é uma foto do leitor isolado em cima de uma árvore na Bolívia, em plena luta armada.
O guerrilheiro da década de sessenta surge como o leitor incansável que sonhara ser escritor. ”Naquele tempo eu achava que ser um escritor era o título máximo a que se podia aspirar”, escrevera certa vez a um amigo. O jovem viajante de uma América esquecida imaginou escrever sobre as aventuras de um turista ímpar a procura de um enredo. Antítese do Quixote, que pretendera viver as aventuras lidas, o argentino escolheu viver, experimentar, para depois escrever. E sempre acompanhado dos livros, amigos inseparáveis desde a infância até o triste desenlace de sua execução na selva boliviana.
Ernesto Guevara de la Serna nasceu em Rosário. Prematuro e asmático foi viver numa região serrana para se curar. Por causa dessas limitações, inclinou-se à literatura, tomando contato com Cervantes, Julio Verne, Garcia Lorca. A mãe mantinha ligações com a esquerda e o pai fundou a Ação Argentina. Em 46 mudou-se para Buenos Aires indo estudar medicina. Interrompe os estudos em 52 para viajar pela América Latina, retomando-os em 53 para concluí-los, caindo novamente na estrada para nunca mais voltar à Argentina. Casa-se no Peru, e depois no México, onde ganha o apelido de Che por usar sempre esta expressão quando falava com as outras pessoas. Em 61 esteve no Brasil e foi condecorado com a Grã Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul pelo então presidente Jânio Quadros, e foi executado na selva boliviana em oito de Outubro de 67 em La Huigera, aos 39 anos.
Guevara amava os livros. O último leitor não escrevia para viver, mas vivia para escrever. A literatura era sua redoma. Preocupava-se com as pessoas simples, o trabalhador, o iletrado, o crente, o enganado. O médico e intelectual abandonou sua poltrona de couro e a comodidade das bibliotecas para lutar pelos deserdados. A inteligência deste despojamento é duvidosa, mas o seu sentimento de solidariedade é inquestionável.
Guevara o médico, o repórter, o leitor, o escritor, o líder, o guerrilheiro. Herói mítico moderno, carrasco do paredão, ministro da economia, andarilho despojado, anarquista, culto, malvestido, anti-religioso, combatente na América e na África, o que não conseguiu cumprir com o sonhado destino redentor em sua amada Pátria.
Ernesto Guevara criou sua própria ficção. Para Piglia, um homem puro, o último leitor, o que num momento de desolação na selva foi capaz de subir numa árvore e alheiar-se de tudo com um livro às mãos. O que sempre carregava à cintura o peso - para muitos inútil - da literatura. E um caderno de anotações para consignar o drama que criara para si e os seus leitores.
Literariamente, lembra-nos Hemingway, que também construía vivências para depois escrevê-las. Espiritualmente, todos aqueles - e foram tão poucos - que se comoveram com as injustiças impostas a tantos homens e sentiram em si suas dores, experimentando os sofrimentos dos irmãos e agindo, da forma como puderam ou souberam, para confirmar sua solidariedade. Espíritos que nos acertos ou equívocos tiveram seus nomes inscritos no grande livro que conta a trajetória sofrida do homem na Terra.
A revolução cubana destronou um ditador para erigir outro. Os idealistas daquela época não chegaram a compreender que mudanças de regime e governo não chegarão jamais a resolver os grandes problemas humanos, pois suas soluções dependerão do enfrentamento que o ser humano deverá travar consigo para modificar-se e construir um mundo melhor.
Qualquer melhoramento social dependerá da educação que liberte o indivíduo das amarras dos preconceitos que anulam a inteligência transformando-o num homem-massa facilmente manipulado por qualquer ideologia exótica. Todo assistencialismo é inócuo por ser uma ajuda indiscriminada, muitas vezes por meio da violência, desestimulando os mais capazes com os quais se poderia contar para empreender um grande projeto educacional.
A conquista da liberdade e da independência é uma jornada individual que depois se projetará por toda a sociedade.
Conta-se que em seus últimos momentos, ferido e debilitado, Guevara passou numa escolinha daquela pobre região boliviana onde foi socorrido pela professorinha local; e que suas últimas palavras foram: ”Falta o acento”. Referia-se a uma frase escrita na lousa: ”Yo sé leer”.
Como muito bem escreveu Ricardo Piglia, “morreu com dignidade, como um personagem de um romance de educação perdido na história”.

Nagib Anderáos Neto

Labels: , ,

O Instrutor e o Aprendiz

“Deus está em você. Não é necessário pagar para alguém lhe dizer isso. Eu digo porque sei que é verdade”, escreveu certa vez Henry Miller. E ainda, “cuidado com quem traz sempre Deus nos lábios, pois é o que dele mais está distante”.
As reflexões estavam inseridas num artigo sobre o espiritualismo que invadira a América como um tóxico com seus gurus que nada davam de graça, tudo cobravam.
Não pudemos deixar de recordar uma palestra proferida em Edimburgo por Annie Bésant no início do século passado quando a escritora vaticinava a chegada de um grande instrutor; alguém que viesse ensinar aos homens o caminho do aperfeiçoamento. Ela o teria reconhecido em Krishnamurt que é mencionado por Henry Miller como tendo escrito: “não ponha sua fé em ninguém; você tem tudo dentro de si e está sempre a procurar pelos mestres. Por que não procura por você mesmo? Esqueça os mestres”.
É possível que o instrutor que se busque esteja no interior do ser humano, não uma outra pessoa, um pretenso intermediário entre ele e o Criador, mas um elo pessoal, superior e divino. E como realizar essa união ? Alguém deveria ensinar o caminho, um instrutor de instrutores que, ao invés de pretender dar a Verdade em pertinência a quem não tivesse feito nenhum esforço, mostrasse o caminho para que cada um pudesse percorrê-lo com sua inteligência. Um mestre de sabedoria não poderia pedir que acreditassem em suas palavras, pois deveria ensinar a pensar; sua pedagogia seria incompatível com a aceitação passiva e cega dos que pretendessem respostas prontas às indagações humanas; mais do que um enunciador de verdades, deveria ensinar a forma como cada um as elucidasse por sua conta, como um pai que tendo acumulado uma grande experiência na vida apontasse o caminho e aconselhasse o filho, deixando que ele andasse com as suas pernas e descobrisse as belezas do caminho, sendo o artífice dos conhecimentos e experiências, sem cobrar nada em troca, como aqueles “mestres” criticados por Miller.
A analogia é esclarecedora. Para uma criança, Deus confunde-se com os pais. Aqueles que a geraram recebem-na à vida com um amor entranhável; protegem-na contra os perigos do mundo nos primeiros anos, orientam-na na adolescência e juventude, e prosseguem como um respaldo moral e espiritual na idade adulta.
Deus está na palavra do pai e da mãe que ensinam, aconselham, reconfortam. A família constitu o templo verdadeiro em cujo altar se confundem seus pais terrenais dos quais herda o amor, a fisionomia e os conhecimentos. Deverá, no entanto, seguir o seu caminho. E numa grande transição, a criança feita adulta ver-se-á privada do convívio com eles. Deus parece segredar-lhe que se mostra de muitas maneiras, especialmente no amor impregnado na família cuja essência é divina.
Ao assumir a postura de pai terrenal, a criança feita homem deverá prosseguir o seu caminho preparando e construindo o seu destino, carregando o exemplo, a recordação e a gratidão por seus pais, e colaborando para a construção de um mundo melhor para as gerações futuras. Deverá viver nesta vida uma sucessão de outras, aperfeiçoando-se, transformando-se, vivendo várias vidas numa só. Descobre que além de pai e educador de seus filhos, deverá sê-lo também de si; que o Pai Ancestral se confunde com a criança que vive em seu coração; que pode viver e sobreviver pelos pensamentos e obras que possa produzir e pelo grau de consciência que alcançar; que o mistério do pai é o mistério do filho, e que somente ele poderá desvendá-lo.

Nagib Anderáos Neto

Labels: ,

Wednesday, March 02, 2011

Observar e Pensar

O que é observar? Seria o mesmo que pensar, refletir, recordar, raciocinar?
O que se deve observar? O que tem a observação a ver com o entendimento?
E a inteligência, onde fica?
Observar não é apenas olhar, contemplar, senão ver e entender. É uma capacidade da inteligência que pode ser desenvolvida, educada e utilizada para o bem próprio e coletivo. É necessário que um objetivo guie a observação. A palavra inteligência provem do latim e significa capacidade de ler por dentro, penetrar no sentido íntimo do que se vê. Se olho para os rios e os prados absorvendo e aprendendo a calma da Natureza em seu incessante movimento, dei um destino prático à observação porque me espelhei no que vi. Se olho para as paisagens interiores, pensamentos tumultuados e intempestivos que estão na mente e exercito-me na imposição de ordem e disciplina que harmonizem aquelas paisagens, dei um destino positivo para a observação que se confunde com a reflexão, o pensar, a recordação, a inteligência - o sol interior que cada ser humano tem e que pode brilhar mais e mais, libertando-nos da escuridão - , pois o maior cego não é o que não quer ou não pode ver, senão o que não quer ou não pode entender. E os primeiros entendimentos que devemos realizar são os que possamos ter sobre nós.
É difícil julgar as outras pessoas sem antes haver aprendido a exercer o juízo sobre si. Julga-se, em geral, em função de apreciações alheias, pelo que se ouviu dizer, e não pelo que realmente se observou. A observação consciente – conforme nos esclarece o pensador González Pecotche em inúmeros escritos e conferências – deveria servir para corrigir as nossas imperfeições. O que vemos de desagradável na conduta de uma pessoa levar-nos-ia a verificar se não existe em nós aquela característica. Mas o ser humano não sabe olhar para si; olha o mundo como se não fizesse parte dele; vê, mas não enxerga e nem entende que todo aquele cenário está ali para transformá-lo em diretor e ator do espetáculo da sua vida. Ao invés disso, gasta seu tempo admirando ou criticando outras vidas e mundos, esquecendo-se de si, e que dentro dele existe um pequeno universo no qual poderia viver e ser feliz. Essa falha gritante da cultura engendrou nas mentes a tendência ao escapismo; viver fora da realidade, sempre a fugir de si, no trabalho, diversões, estudos, leituras, nas platéias, pois não consegue conectar aquilo que acontece à volta com a sua realidade. Olhar para a Natureza e seguir o exemplo de paciência, movimento, renovação, evolução, e exercitá-lo no dia-a-dia através da capacidade de pensar, criar e se modificar.Ao invés disso, vamo-nos transformando em atores que decoram e interpretam falas escritas por outros que foram atores como nós, repetindo frases e cenas que compõem as tradições que – como disse González Pecotche – são o cemitério das idéias.
Romper com essa inércia é o grande desafio da humanidade no despontar do terceiro milênio. Ao voltar-se para si e educar-se, o homem do futuro transformará o horroroso espetáculo de guerras, corrupção e violência no qual se encontra num cenário condizente com a espécie inteligente que um dia poderemos chegar a ser.
Ao dizer que tudo o que sabia era que nada sabia, Sócrates dá-nos a pauta de uma conduta, caso queiramos aprender e evoluir. Será necessário arrancar a máscara da personalidade que nos leva a aparentar aquilo que não somos, mas que imaginamos. Se ela não estiver aderida à epiderme psicológica, poderemos iniciar o caminho para construir a individualidade.
Já se disse que os homens são livres, mas não o sabem; nascem livres e vão perdendo esse dom que lhes fazia sentir imortais, verdadeiros super-homens naquele formidável universo infantil. Esse seria o tão bem guardado segredo dos tiranos, o fato de saber que os homens podem chegar a ser livres novamente, mas não enxergam isso, transformando-se em escravos nas mãos daqueles déspotas.
A liberdade é um dom que, se não utilizado, pode desvanecer-se, da mesma forma que a inteligência e a sensibilidade humanas.
É comum ouvir-se dizer que o ser humano usa um quase nada de sua capacidade mental; que uma mente preparada poderia realizar verdadeiros prodígios. Por que isso acontece? Por que a mente humana é pouco utilizada? Quais as causas dessa deficiência? O que fazer para tornar a mente mais eficiente?
Essa falta de liberdade é como um cárcere cujos barrotes são o temor de pensar por própria conta, os preconceitos, a ignorância sobre si e as Leis que regem o Universo.
Todos querem a liberdade, trazem-na dentro de si como algo que não se realiza, e, no fundo, sabem que o ser humano não deve curvar-se perante poderes quaisquer.
Se o homem, como diziam os gregos, é a medida de todas as coisas, por que vive tão esquecido de si, tão ausente, entretido com o que não é essencial por ser passageiro e efêmero?
A verdadeira liberdade é a de pensar. É assim como o espírito humano respira,criando,tendo um domínio sobre os pensamentos que perambulam por aí fazendo os estragos que sabemos quais são.
Ser livre é usar com liberdade a inteligência, suas faculdades, e não somente a memória e a imaginação,como nos têm pretendido impor aqueles que nos querem manter atados às rédeas da submissão. Os tiranos, os ditadores, os inimigos da liberdade não querem que o ser humano pense, porque tal grito de liberdade é a ameaça ao poder que as ânsias de domínio desenham em suas mentes doentias.
Pensar, observar, raciocinar, refletir, combinar e julgar são algumas faculdades da inteligência que não têm sido muito exigidas e desenvolvidas pelo ser humano pode deixar de ser joguete e escravo de pensamentos alheios que nada têm a ver com a felicidade almejada pelos que sonham com a liberdade.

Nagib Anderaós Neto
www.nagibanderaos.com.br

Labels: , , , , , , , , ,