Thursday, February 18, 2010

Condorcet: Um Mestre Revolucionário

“Sob a mais livre das constituições, um povo ignorante é sempre escravo”, escreveu o inspirado francês Marie-Jean-Antoine-Nicolas Caritas Condorcet.
Literato, filósofo, economista, matemático e político, ele sucumbiu numa prisão parisiense no ano de 1794 nas mãos dos terríveis jacobinos liderados por Robespierre, depois de ter colaborado ativamente naquele movimento revolucionário que pretendia acabar com os desmandos de uma monarquia abusiva, mas acabou tornando-se o primeiro grande movimento terrorista de que se tem noticia. “A arma da Revolução é o terror”, afirmava Robespierre transformado em personagem na “Morte de Danton” do escritor George Buchner. Possivelmente ele tenha sido o pai de todos os terroristas e a Revolução Francesa o berço dos indignados que imaginam que o terror e a violência possam resolver as desavenças que a inteligência e a sensibilidade humanas não souberam conciliar; e o inspirado Marquês de Condorcet uma das mais ilustres vitimas do terror naquele tempo.
Condorcet concebia a possibilidade do aperfeiçoamento humano e foi contagiado pelo otimismo e pela indignação de Voltaire contra os impostores e ditadores, e de quem foi editor. Em “Esboço de Um Quadro Histórico dos Progressos do Espírito Humano”, sua visão otimista fica muito evidente, contrapondo-se ao pessimismo de alguns pensadores da época. Foi vítima do Terror por contrapor-se à hegemonia ditatorial dos jacobinos - impostores de estreitas luzes que até hoje têm assento em muitas instituições-que não admitiam oposição de nenhuma espécie e se refestelavam no poder indefinidamente. Considerava que o desenvolvimento humano não poderia coexistir com os preconceitos e as crenças, pois estaria alicerçado na liberdade de pensar; que o progresso coletivo dependia do progresso dos indivíduos, material e espiritualmente falando.
Condorcet idealizou a escola pública na França que foi modelo para todo o mundo; defendeu as liberdades da mulher, as aposentadorias e pensões, o combate às guerras, o controle inteligente da natalidade.
Com tantas idéias, tanta vontade de viver, tanto otimismo, morreu solitário nos porões do terror sufocado pelo ódio dos poderosos para os quais tudo se resume no poder, na riqueza e no jogo de seus mesquinhos interesses.
O que os impostores e os ditadores não compreendem é que os pensamentos criados pelos Condorcet sobreviverão e chegarão à mente de muitas pessoas no futuro, transportando os ideais de progresso e aperfeiçoamento humanos através do fomento ao estudo, à educação, e que nenhuma violência conseguirá calá-los. Os homens e os povos do futuro poderão, então, liberar-se das amarras seculares que engendram os ódios, os rancores e as guerras.
A humanidade deve muito ao Marquês de Condorcet e haverá de honrar a sua memória comungando com os nobres ideais que inspiraram a sua vida.

Nagib Anderáos Neto
neto.nagib@gmail.com

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Friday, February 12, 2010

A Divina Comédia

O que significa ser bom? De onde provém o paradigma que nos permite discernir o que é bom do que não é bom?
É bom quem agride o seu semelhante? O que rouba o vizinho? O que explora seu irmão? Aquele que podendo fazer o bem não o faz? Onde está o código moral que diferencie o bem do mal?
E o bem, de onde provém?
Isso nos faz recordar a sala de espera do inferno de Dante habitada pelos indecisos que não fazem o mal nem o bem, os egoístas que só pensam em si. Seria o caso de perguntar se quem deixa de fazer o bem não estaria fazendo o mal. Neste caso a sala de espera do inferno metafórico de Dante teria o seu fundamento.
Sabe-se que a obra do poeta florentino foi por ele chamada de A Comédia e que no século XVI um padre publicou-a com o nome alterado para A Divina Comédia. A alteração parece ter sido feita por quem não entendeu bem a Comédia e pretendeu insinuar que Deus fosse um humorista. O padre parece ter subestimado o próprio Criador ao não ter compreendido a grande metáfora do poeta italiano que não teria concordado com a mudança.
Ao adentrar com Dante e Virgílio na ante-sala do inferno, tem-se a impressão de já conhecer aquele lugar. É fato que já ouvimos dizer que o inferno é aqui e o poeta italiano diz que aquele fosso enorme, com todas as suas subdivisões, está sob Jerusalém.
Ao lançar hoje o nosso olhar crítico para a milenar cidade, a metáfora parece ficar mais indecifrável e a comédia nada de divina.
Deus não pode ser o pai implacável que joga seus filhos numa guerra fratricida e infindável e nem propriedade de algum grupo ou associação.
Mas se Deus é o criador de todo o Universo, teria criado também o mal? Ou, metaforicamente dizendo, o inferno?
Afinal, o que é o mal? E o que é o bem?
Deus, além de não ser humorista, não é o professor que nos dá respostas prontas. Uma parte dos mistérios e do objetivo da vida está justamente aí: chegar a responder, por própria conta, certas perguntas complicadas.
Por que vivo? De onde venho? Para onde vou? O que é o bem? O que o mal? Quem é Deus?
Se não se têm as respostas, faltam os conhecimentos. Onde não há conhecimento reside a ignorância que parece confundir-se com o próprio mal.
Lutar contra o mal deveria significar lutar contra a ignorância, começando por eliminá-la em si mesmo. O mal provém da mente humana, de pensamentos monstruosos que se foram gerando através dos séculos e que se assenhorearam das vontades e da inteligência enfraquecida pela ignorância. Lutar contra o mal deveria significar lutar contra esses pensamentos criminosos que têm causado tanto sofrimento para os seres humanos, começando por extirpar a própria ignorância que nos faz impacientes, intolerantes, irascíveis e desumanos. Esse seria o início de uma verdadeira cruzada contra o mal.

Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br
Extraído do Livro “Guardados que Vivem”

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Wednesday, February 10, 2010

Borges e o Ofício do Verso

Relendo “Este oficio do Verso” de Jorge Luis Borges – coletânea de conferências pronunciadas em Harvard na década de sessenta, cujas gravações foram recentemente descobertas nos arquivos daquela Universidade – deparamo-nos com verdadeiras aulas de profundo conteúdo literário e filosófico que vêm confirmar a genialidade do argentino cuja obra tem sido inesgotável fonte de estudo e pesquisa em todo o mundo.
Comecei a interessar-me pelo autor em 94 ao ler “O Cânone Ocidental” de Harold Bloom. Em função daquela leitura, fui também ampliando meus contatos com as obras de Emerson, Emily Dickinson e Walt Whitman, irmãos literários do ilustre argentino que sempre foi avesso aos melodramas e romances espichados. Seus contos, poemas e ensaios são uma literatura sobre a literatura. Para ele, a poesia era uma paixão e um prazer. “O fato central de minha vida foi a existência das palavras e a possibilidade de tecê-las em poesia”, escreveu certa vez. E as bibliotecas eram como mágicas cavernas cheias de mortos que poderiam ser ressuscitados quando as páginas daqueles livros fossem abertas; ele reafirmava o antigo bordão de que “a arte é longa e a vida é breve”. E essa arte não seria elitista ou refinada, mas do homem comum, da rua, democrática, cuja matéria prima é a palavra, “o dialeto da vida”.
Ao lê-lo descobrimos que “há uma eternidade na beleza”. E que devemos encontrá-la nos livros; senão, para que ler? E que a linguagem pode ser música e paixão, quer dizer, poesia. E que “as palavras são símbolos para memórias partilhadas”.
Condenado a uma cegueira genética, foi capaz de produzir a parte ponderável de sua obra após adentrar a escuridão completa, criando, mentalmente, e reproduzindo pela palavra; desmistificando o preconceito de que a tecnologia e a visão física perfeita pudessem trazer uma felicidade completa.
Borges criou e sobreviveu, apesar da cegueira, como Cervantes, apesar da prisão.
O maior cego não é o que não quer ver, mas o que não quer entender.
A lição de Borges expressa em suas entrelinhas que nada que o ser humano possa criar seja maior do que ele próprio: um pequeno criador feito à imagem e semelhança de um Criador maior.

Nagib Anderaos Neto
www.nagibanderaos.com.br

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Tuesday, February 09, 2010

Cem Anos Com Machado de Assis

Na madrugada de 29 de Setembro de 1908, lúcido e recusando a presença de um padre, morreu Machado de Assis. Nascido aos 21 dias de Junho de 1839, numa parte suja da cidade do Rio de Janeiro, meio escravo, tornou-se um dos maiores escritores da amada língua portuguesa. Afeito à reflexão, ironizou a bondade dos brancos à época da abolição e também o advento republicano.
Sua morte lembra a de Voltaire. Ambos anticlericais, exímios escritores, conhecedores profundos da psicologia humana, críticos ímpares da sociedade e dos costumes, defensores da cultura e da liberdade, da literatura e da filosofia, lutaram bravamente contra as ervas-daninhas que entorpecem o solo mental e impedem o florescimento das idéias.
A leitura de Machado é uma aula de português sem-fim e um encontro com o Brasil – Colônia, com um Rio de Janeiro que não existe mais.
Os jovens leitores, no entanto, precisam ser preparados para lê-lo, e nunca por obrigação, como faziam nossos antigos mestres, pois a leitura deve ser uma forma de felicidade, como muito bem assinalou Borges, o notável escritor argentino.
Tendo passado pelo realismo e pelo romantismo, sua obra é muito reflexiva e irônica. Chama a atenção o soneto a Carolina, companheira de longos anos, na despedida em 1904:

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho aos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

Machado de Assis do Rio antigo e da Academia, homem dos doces, das letras e dos jornais, brasileiro ímpar, nos diria que a vida dura um tanto e depois cessa. Diríamos que não, pois ele prova a nossa tese: a vida dura quanto deve durar e pode transcender a morte, como a dele, que continua vivendo na nossa.
E de certa forma ele assim o intuiu no soneto que fala do mundo interior como um contraponto à natureza exterior quando diz:

E contudo, se fecho os olhos e mergulho
Dentro de mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia, - e dorme.


Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br

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