Tuesday, November 28, 2006

Democracia e Utopia

Para ser livre, o ser humano precisa exercer o livre arbítrio, pensar com liberdade, desenvolver sua inteligência, da mesma forma que para ser ético necessita desenvolver a sua moral, os seus sentimentos de humanidade e fraternidade, senão tudo é mera representação, mistificação.

Quem pensa não se deixa levar ingenuamente por qualquer predicador. Talvez seja por isso que as escolas não ensinem a pensar, senão repetir coisas, decorar fórmulas e tabelas, treinando a memória, mas fracassando a inteligência em suas principais funções como as de entender, julgar e pensar, e vamo-nos aproximando de certos animais como o papagaio que repete e o mico que imita, embora sejamos de outra natureza – potencialmente falando -, pois animal algum cometeria as crueldades que o ser humano comete.

A democracia seguirá sendo uma utopia até que as mentes humanas despertem deste sono milenar que as submerge no pesadelo dos preconceitos, do materialismo, das guerras e da ignorância.

Ninguém poderá fazer pelo ser humano o que somente a ele incumbe nem livrá-lo de seus erros e de suas culpas, nem pensar por ele, pois tal hipoteca equivale à escravidão, e não há maior submissão do que a mental.

Um antigo general disse em tempos remotos que o preço da liberdade seria a eterna vigilância. Possivelmente tenha adaptado as palavras ouvidas ao acaso aos seus insanos sonhos de poder. Uma interpretação diferenciada poderia nos levar a concluir que para ser livre deveremos pensar e estar constantemente a vigiar os pensamentos que em nossas ou em outras mentes possam estar atentando contra o que de mais sagrado temos: a vida com suas amplas possibilidades.

Já se disse que os homens são livres, mas não o sabem, quer dizer, nascem livres e vão perdendo aquela liberdade que lhes fazia sentir imortais, plenos, verdadeiros super-homens naquele formidável universo infantil. Este seria o tão bem-guardado segredo dos tiranos, dos déspotas, o fato de saber que os homens são, em princípio, livres, mas não o sabem.

A liberdade, como tudo o que recebemos ao chegar neste mundo, é um dom que, se não utilizado, pode desvanecer-se, da mesma forma que a inteligência e a sensibilidade humanas.

É comum ouvir-se dizer que o ser humano usa um quase nada de sua capacidade mental; que uma mente preparada poderia realizar verdadeiros prodígios. Por que isso acontece? Por que a mente humana é subutilizada? Quais as causas desta deficiência? O que fazer para tornar a própria mente mais eficiente?

Essa falta de liberdade é como um cárcere mental cujos barrotes são o temor de pensar por própria conta, os preconceitos, a ignorância sobre si mesmo e sobre as Leis que regem o Universo.

Todos querem a liberdade, todos a trazem dentro de si como algo que não se realiza. Todos, no fundo, sabem que o ser humano não deve curvar-se perante poderes quaisquer.

Se o homem, como diziam os gregos, é a medida de todas as coisas, por que o ser humano vive tão esquecido de si mesmo? Por que tão ausente? Por que tão entretido com o que não é essencial por ser passageiro e efêmero?

A verdadeira liberdade é a de pensar. É assim como o ser humano, o espírito humano, respira, pensando com liberdade, que é o mesmo que criar, que é o mesmo que ter um domínio sobre os pensamentos que habitam a própria mente ou que perambulam por aí de mente em mente fazendo os estragos que todos sabemos quais são.
Ser livre é usar com liberdade a inteligência, todas as suas faculdades, e não somente a memória e a imaginação como nos têm pretendido impor aqueles que nos querem manter atados às rédeas da submissão e da imposição.

Os tiranos, os ditadores, os inimigos da liberdade não querem que o ser humano pense porque tal grito de liberdade, tal oposição às imposições, é a ameaça ao onímodo poder que as ânsias de domínio desenham em suas mentes doentias.

Pensar, observar, raciocinar, refletir, combinar e julgar são algumas faculdades da inteligência que não têm sido muito exigidas ou desenvolvidas pelo ser humano que pode, num grito de liberdade, deixar de ser joguete ou escravo de pensamentos alheios que nada têm a ver com a felicidade almejada pelos que sonham com a liberdade, fundamento de uma verdadeira democracia.


Nagib Anderaos Neto
www.nagibanderaos.com.br
www.logosofia.org.br

Friday, November 10, 2006

A Intolerância

Giordano Bruno - o pensador italiano que foi queimado vivo na Idade Média por ter defendido a idéia da infinitude do Universo e de sua transformação contínua - é um exemplo eloquente do obscurantismo e da intolerância daquela época quando todos deveriam prestar aceitação cega às “verdades” estabelecidas.
Algum tempo depois, Galileo Galilei (1564 - 1642) teve de abjurar para não ter o trágico fim do compatriota. Ele defendia a idéia, absurda para a época, de que a Terra não era o centro do Universo. Embora tendo escapado à morte, teve de conviver com uma prisão domiciliar até o final de seus dias.
Spinoza, como Sócrates, foi condenado pelo poder político local por opõe-se às idéias dos dirigentes, por não cultuar as suas personalidades e nem as divindades do Estado, por afirmar que a verdadeira salvação consistiria no conhecimento que é oposto ao fenomênico e sobrenatural que forjam as bases do ateísmo. Para ele, não poderia haver um Deus ou um conhecimento propriedades de algum agrupamento porque Deus e o conhecimento não são contingentes e nem privilégio de ninguém, por serem imanentes.
Estas páginas trágicas de nossa história servem para uma reflexão sobre a intolerância humana e suas conseqüências no nosso dia-a-dia, na nossa vida individual, pois ela continua tão presente como naqueles negros dias medievais.
Dentre os defeitos ou deficiências psicológicas do ser humano, a intolerância é a que mais dificulta a convivência. E esta dificuldade, a de conviver, é um grande obstáculo para a evolução humana que necessitará do concurso inestimável de seu semelhante na jornada de aperfeiçoamento que deverá empreender durante a sua vida; se não sabe conviver, terá a sua evolução limitada.
A intolerância implica falta de respeito às idéias alheias, inflexibilidade, dureza de juízo.
É difícil aceitar as idéias de outras pessoas quando não coincidem com as nossas; isto porque fomos educados nesta rigidez comportamental que nos impede compreender que podem existir idéias que difiram das nossas e os que as defendam não são, necessariamente, nossos inimigos.
A intolerância leva o ser humano a não admitir oposição. O intolerante vê no opositor um inimigo sem aperceber-se que a oposição pode ser construtiva, pois nos faz pensar, refletir sobre nossos pontos de vista e concluir, algumas vezes, que podemos estar errados. Os ditadores não admitem oposição. O opositor deve ser afastado, eliminado; só assim o ditador sente-se confortável.
Os que impõem, os impostores, estão aí, como naqueles negros dias medievais; nos governos, nas empresas, nas instituições diversas, nas mentes dos seres humanos, pensamentos retrógrados que nos encarceram numa rigidez milenar e que têm afastado o ser humano de si mesmo e de seus semelhantes. Surpreender esta realidade em si mesmo, na própria mente, e trabalhar para eliminar este tipo de pensamento é o único caminho capaz de livrar-nos deste obscurantismo medieval.
Educar as crianças no sentido da flexibilidade psicológica, desde que as idéias antagônicas não firam os princípios básicos da harmônica convivência humana, significa incutir no educando a tolerância que lhe permitirá respeitar o seu semelhante e ser respeitado.


NAGIB ANDERÁOS NETO
www.logosofia.org.br

Thursday, November 02, 2006

O Amigo Ausente

Ao abandonar esta vida, este mundo de convivência, experiência e aprendizado, o amigo ausente nos faz pensar na vida e sua finalidade. É com surpresa que constatamos que ele passa a viver num outro mundo pouco conhecido por nós, mas nem por isso menos real: o nosso mundo interior; o mundo dos pensamentos, dos sentimentos, das recordações. Um outro mundo absolutamente real e palpável onde o amigo ausente ressuscita de uma morte aparente e passa a viver conosco numa proximidade maior. Voltamos a sentir a comovente presença de uma amizade que parecia ser eterna; a ouvir a sua palavra, as suas opiniões, os seus conselhos. O amigo ausente nos fala de vida, esperança e reencontro.
O ser desaparecido, com tantos nomes, dos mais remotos cantos do planeta, que na ausência é mais presente, fala-nos, sobretudo, deste outro mundo tão pouco conhecido por nós.
E para que ele não chegue a morrer pela segunda vez, para que não desapareça definitivamente dentro de nós, para que sua vida continue a fazer parte da nossa, dediquemos a ele, sempre que pudermos, um minuto de nossa recordação. É possível que na emoção destes momentos esteja parte das respostas que procuramos sobre os insondáveis mistérios da vida e da morte.

Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br

A Moral Humana

Toda a moral que não se baseie na liberdade individual não pode ser considerada como tal.

Não existe outra moral que não seja a humana, por estar inscrita em todos os corações, acima de partidos, agrupamentos ou qualquer tipo de sectarismos, pois, como escreveu Voltaire, “a moral vem de Deus, como a luz. As nossas superstições são apenas trevas”, pois “há somente uma moral, assim como há somente uma geometria” e “todos os dogmas são diferentes”, mas “a moral é a mesma em todos os homens que usam a razão”.

Defender o livre pensar e uma nova cultura – fortificação imortal habitada por espíritos pensantes – implica defender o estudo, a arte – que é uma forma de eternidade – e a elevação espiritual, que permitirá discernir o que é verdadeiro do que é falso - a grande mentira que permeia toda a cultura atual apoiada num inominável e imoral ateísmo ou materialismo, travestido de fé e espiritualidade e baseada em preconceitos que imobilizam a inteligência e a sensibilidade humanas -.

Defender a liberdade de pensar significa opor-se às imposições travestidas de misericórdia e bondade e defender a moral que vem de Deus, e não da superstição que submete e acorrenta as inteligências.

Ter fé em sim mesmo e não no que se desconhece para ser livre e viver a verdadeira moral que deve se basear no respeito que se deve a si mesmo e aos demais – como muito bem assinalou o pensador e escritor González Pecotche – e não se submeter a uma “moral de escravos” como ponderou Torga e Nietsche, pois o ser humano que se respeita não deve curvar-se perante qualquer poder, pois nenhuma obra humana poderá ser realizada fora da liberdade.

Deus não pode ser reduzido, estreitado, encapsulado numa criação humana. Se existe algum pecado, ele pode ser chamado de ignorância sobre si mesmo e sobre o Deus que se desconhece.

Quando Nietsche disse que Deus estava morto, pode ter querido significar que se deveria procurar e conhecer o Deus verdadeiro, o do amor, e não o da culpa e do sofrimento, o da justiça, e não o do castigo que oprime e aterroriza.

Não há maior cárcere que a ignorância, porque Deus é liberdade e conhecimento, redenção e aprendizado, alegria e evolução.

O engenhoso sofisma de Protágoras que diz ser o homem a medida de todas as coisas nos leva a uma única moral que vem Deus e está indelevelmente inscrita em todos os corações.

Nagib Anderáos Neto
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Wednesday, November 01, 2006

A Divina Comédia

O que significa ser bom? De onde provém o paradigma que nos permite discernir o que é bom do que não é bom?
É bom quem agride o seu semelhante? O que rouba o vizinho? O que explora seu irmão? Aquele que, podendo fazer o bem, não o faz? Onde está o código moral que diferencia o bem do mal?
E o bem, de onde provém?
Isso nos faz recordar a sala de espera do inferno de Dante, habitada pelos indecisos, pelos que não fazem o mal nem o bem, os egoístas que só pensam em si. Seria o caso de se perguntar se aquele que deixa de fazer o bem não estaria fazendo o mal. Em caso positivo, a sala de espera do inferno metafórico de Dante teria o seu fundamento.
Sabe-se que a obra do poeta florentino foi por ele chamada de A Comédia e que, no século XVI, um padre a publicou com o nome alterado para A Divina Comédia. A alteração parece ter sido feita por quem não entendeu bem a Comédia e pretendeu insinuar que Deus fosse um humorista. O padre parece ter subestimado o próprio Criador e não ter compreendido a grande metáfora do poeta italiano que, certamente, não teria concordado com a mudança.
Ao adentrar com Dante e Virgílio na ante-sala do inferno, tem-se a impressão de já ter estado naquele lugar. É fato que já ouvimos dizer que o inferno é aqui e o poeta italiano o enfatiza. Diz que aquele fosso enorme, com todas as suas subdivisões, está sob Jerusalém.
Ao lançar hoje o nosso olhar crítico para a milenar cidade, a metáfora parece ficar mais indecifrável e a comédia nada de divina.
Deus não pode ser o pai implacável que joga seus filhos uns contra os outros numa guerra fratricida e infindável nem propriedade de algum grupo ou associação.
Mas se Deus é o criador de todo o Universo, teria criado também o mal? Ou, metaforicamente dizendo, o inferno?
Afinal, o que é o mal? E o que é o bem?
Deus, além de não ser humorista, não é o professor que nos dá respostas prontas. Uma parte dos mistérios e do objetivo da vida está justamente aí: chegar a responder, por própria conta, certas perguntas complicadas.
Por que vivo? De onde venho? Para onde vou? O que é o bem? O que o mal? Quem é Deus?
Se não se têm as respostas, faltam os conhecimentos. Onde não há conhecimento, reside a ignorância que parece, numa primeira análise, confundir-se com o próprio mal.
Então, lutar contra o mal deveria significar lutar contra a ignorância, começando por eliminá-la em si mesmo. O mal provém da mente humana, de pensamentos monstruosos que se foram gestando através dos séculos e que se assenhorearam das vontades e da inteligência enfraquecida pela ignorância. Lutar contra o mal deveria significar lutar contra esses pensamentos criminosos que têm causado tanto sofrimento para os seres humanos, começando por extirpar a própria ignorância que nos faz impacientes, intolerantes, irascíveis e desumanos. Esse seria o início de uma verdadeira cruzada contra o mal.

Nagib Anderáos Neto
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