Borges e o Ofício do Verso
Relendo “Este oficio do
Verso” de Jorge Luis Borges – coletânea de conferências pronunciadas em Harvard
na década de sessenta, cujas gravações foram recentemente descobertas nos
arquivos daquela Universidade –, deparamo-nos com verdadeiras aulas de profundo
conteúdo literário e filosófico, confirmando a genialidade do argentino, cuja
obra tem sido inesgotável fonte de estudo e pesquisa em todo o
mundo.
Comecei a interessar-me
pelo autor em 94 ao ler “O Cânone Ocidental” de Harold Bloom. Fui também
ampliando meus contatos com as obras de Emerson, Emily Dickinson e Walt Whitman,
irmãos literários do ilustre argentino, sempre avesso aos melodramas e romances
espichados. Seus contos, poemas e ensaios são uma literatura sobre a literatura.
Para ele, a poesia era uma paixão e um prazer. “O fato central de minha vida foi
a existência das palavras e a possibilidade de tecê-las em poesia”, escreveu
certa vez. E as bibliotecas eram como mágicas cavernas cheias de mortos, os
quais poderiam ser ressuscitados, quando as páginas daqueles livros fossem
abertas; ele reafirmava o antigo bordão de que “a arte é longa e a vida é
breve”. E essa arte não seria elitista ou refinada, mas do homem comum, da rua,
democrática, cuja matéria prima é a palavra, “o dialeto da vida”.
Ao lê-lo descobrimos uma
eternidade na beleza. E devemos encontrá-la nos livros; senão, para que ler? E a
linguagem pode ser música e paixão, quer dizer, poesia. E “as palavras são
símbolos para memórias partilhadas”.
Condenado a uma cegueira
genética, foi capaz de produzir a parte ponderável de sua obra após adentrar a
escuridão completa, criando, mentalmente, e reproduzindo pela palavra;
desmistificando o preconceito de que a tecnologia e a visão física perfeita
pudessem trazer uma felicidade completa.
Borges criou e sobreviveu,
apesar da cegueira, como Cervantes, apesar da
prisão.
O maior cego não é o que
não quer ver, mas o que não quer entender.
A lição de Borges expressa
em suas entrelinhas ser a autocriação a maior obra que se possa realizar; e o
homem, um pequeno criador feito à imagem e semelhança de um Criador
maior.
Nagib Anderáos Neto
neto.nagib@gmail.com
Labels: Borges, Emily Dickinson, Walt Whitman
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