Friday, July 24, 2009

Dias Chuvosos

Os dias chuvosos trazem sempre alguma compensação. Mesmo nos ociosos dias de verão à beira-mar, é-nos possível dedicar algumas horas à leitura e à meditação que haverão de significar um saldo útil para a nossa vida.
Em Um Casamento em Florença, Somerset Maughan conclui a obra com a frase pronunciada por Rowley: “Minha querida, é para isto que a vida foi feita: para nos arriscarmos”.
É certo que há riscos permanentes em nossas vidas, desde o dia que abrimos nossos olhos para este mundo; mas é certo, também, que podemos construí-la como o resultado de nossos pensamentos e de nossa conduta.
O romance de Somerset culmina com o casamento de Rowley e Mary. Ele a ama verdadeiramente e está disposto a correr um risco calculado, pois o passado de Mary não se constitui em suficiente credencial para que se possa garantir que não seja um desastre; mas, como escreveu Platão no Banquete, “se verdadeiramente os deuses sabem apreciar a força que nasce do amor, mais apreciam e recompensam se é o que ama que se sacrifica pelo amado. E a razão é esta: o que ama é, de certa maneira, mais divino que o objeto amado, pois possui em si a divindade; é possuído por um deus”.
Assim, Rowley arrisca-se por sentir em si a força da divindade que lhe dá confiança, que lhe dá esperança.
No mesmo Banquete, ainda falando sobre o amor e a imortalidade, Platão, através dos lábios de Sócrates, ali convertido numa personagem, diz que “a procriação e o nascimento são coisas imortais num ser mortal”.
A procriação é um sinal de imortalidade que é uma aspiração humana e que se confunde com a aquisição do Bem e da Verdade; o amor se confunde com a imortalidade. A natureza mortal é impelida à imortalidade. A procriação, no entanto, não se resume, apenas, na física, senão, e principalmente, pode e deve significar a procriação mental e sensível: criar pensamentos e sentimentos que possam perdurar no tempo, independente dos dias e dos anos que resumem uma vida e que podem transcender o limitado trecho contido entre o dia do nascimento e o do desenlace fatal.
Assim é como o criador ama o que criou ou o que procriou. Pode ser um filho, um pensamento, uma pequena obra, porque o criador vive ali e pressente que este é um sinal de eternidade.
É possível, então, criar pela fecundidade do corpo como pela do espírito que permite o surgimento de pensamentos, sentimentos e virtudes que podem beneficiar uma família, um Estado ou toda a humanidade.
O entendimento do que seja a eternidade e a possibilidade de experimentá-la no físico existir está intimamente ligado à experiência pessoal do criador, aprendiz feito à imagem e semelhança de um grande Criador que está constantemente a lhe segredar todas as possibilidades que estão abertas para os que têm ouvidos para ouvir e inteligência para entender.
“Tudo quanto façamos aqui na terra tem que ser grato a nosso espírito e encerrar um valor positivo para a nossa existência”, escreveu o pensador argentino González Pecotche, Há, nestas palavras, um vislumbre da eternidade através das próprias obras, da própria realização.
Para o pensador , a consciência individual do ser humano pode ser ampliada no processo da vida através da evolução que implica a aquisição de conhecimentos e a criação mental. Ela pode, também, sucumbir debilitada pela inércia, desaparecendo do cenário humano para dar lugar a um outro movimento. A ampliação dos conhecimentos tem a ver com esta sede por eternidade, ou com a fonte da eterna juventude que os antigos pressentiam e procuravam.
A ampliação da própria vida se tornará possível expandindo a vida nas próprias obras, nas próprias criações e, muito especialmente, nas pessoas com as quais se tem a possibilidade de conviver e deixar nelas as marcas inconfundíveis daquele que por aqui passou e foi útil a si mesmo e aos demais.Isso seria muito maior que a imortalidade através da arte mencionada por Platão. Essa sede por eternidade nos permitirá projetar um futuro e construir um passado que poderão converter-se num grande e infinito presente que podemos chamar de eternidade.
Se num dia ensolarado podemos vislumbrar um amanhã melhorado, os dias chuvosos podem nos fazer recordar do sol e pressentir a eternidade.

Nagib Anderáos Neto
www.ngibanderaos.com.br

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A Noite Eterna

No dizer de Schopenhauer, a crença na imortalidade e a na morte como aniquilação absoluta são igualmente falsas. Seria necessário encontrar um justo meio entre elas, um ponto de vista superior.

A morte é para o ser humano aterrorizante, porque ele não a compreende. A vida é muito curta e caminha para a morte rápida e inexoravelmente. Esta é a única e grande certeza: um dia se vai morrer.

Por que apegar-se à vida? Por que revoltar-se contra o desígnio superior?

Antes de existirmos, pondera o pensador, era o estado do não-ser, que é o mesmo do depois da morte. Por que não nos aterrorizamos também com este estado anterior ao nascimento?

Para onde vai a luz quando anoitece?

O não-ser anterior ao breve hiato da vida não é outro quanto o posterior à morte. Por que, então, tanto apego a este infinitesimal instante da vida diante do eterno e infinito não-ser?

Seria um absurdo considerar o não-ser como um mal que só existe e é concebido pela mente humana, que no estado de não-ser estaria desprovida de consciência. E o pensador nos recorda Epicuro que teria dito que a morte não nos concerne, pois quando somos, a morte não é, e quando a morte é, não somos mais, concluindo que é no conhecimento que consiste a consciência para a qual a morte não é um mal.

O processo de envelhecimento é um morrer gradativo com a extinção das paixões e dos desejos com a debilitação do impulso vital. E a morte, assemelhando-se ao sonho ou ao desmaio, não é em si um mal, senão a culminação de um processo num átimo dentro da infinitude da eternidade. Muitas vezes ela é suplicada como uma benção; o derradeiro refúgio.

Não nos parece, ao contrário de que afirma o pensador, que a consciência seja o produto da vida orgânica, senão o contrário, pois tudo o que existe é movido por uma única fonte de energia, que pode ser chamada de forca universal, de Deus, que é no homem a sua consciência.

E para onde vai esta força ao cessar a vida humana? O fato de o pêndulo se imobilizar, pondera Schopenhauer, não significa que a gravidade foi reduzida a nada, ou seja, a cessação da vida não implica a aniquilação do princípio vital, concluindo que a força que antes animava uma vida apagada é a mesma que é ativa na vida agora florescente. E esta força seria o princípio de todas as mudanças.

A Natureza está sempre a demonstrar que o aniquilamento de um indivíduo é-lhe totalmente indiferente; seja uma rã, um pássaro, um caracol, uma grande quantidade de seres humanos esmagadas por um terremoto, pois a ela interessa mais a espécie e menos o indivíduo, pois ao indivíduo interessa ele próprio, que se agarra à vida com unhas e dentes por trazer dentro de si uma força poderosa que é vontade de viver expressa nele pela própria Natureza que parece largar seus filhos à própria sorte, mas não o faz, pois cuida do indivíduo cuidando da espécie.

Ao cuidar da espécie, Deus, ou a Natureza, cuida do indivíduo que cuida de si mesmo, luta por sua própria vida e deve aprender, como ser humano, a compreender que a morte não é um mal em si, nem tampouco a aniquilação absoluta, senão a mudança para o estado anterior ao nascimento que num impulso vital inesperado brilhou por um átimo e se somou aos bilhões e bilhões de olhos que iluminam e embelezam a noite eterna.

Nagib Anderáos Neto

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Thursday, July 23, 2009

On Imortality

In a conference pronounced on March 19, 1939, Montevideo, González Pecotche ( Raumsol ) said that is very important to free human beings from the chains of destiny through a conscious process of self elevation. Ignorance forces human being to commit error, and only knowledge - the main objective of human life - can free man of that chains.
God etched activity in the Universe. To know Him is necessary to understand His Laws, because they are the manifestations of His supreme and omnipotent Will.
The Universe is the visible face of God. His Laws, the invisible.
To expand life in other persons is a form of live in eternity. So one can imortalize himself by expanding his life in other lives by continuing to live in the mind and heart of their fellowmen after generations.
Finally, he said: " The gratest tribute that human being can offer God is his own realization, the fruit of his effort, sacrifice and obedience to his high precepts, in compliance with His Will, in perfecting his faculties until he becomes like He wanted him to be when he conceived him in this image and Resemblance".

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Tuesday, July 14, 2009

A Muralha da Muralha da China

Não bastasse a extensa e duvidosa muralha física que cerca o continental império chinês, agora ela se estende aos âmbitos eletrônicos com severas restrições de acesso à informação pela internet para que o mundo não saiba das atrocidades que lá se comete e o escravizado povo não receba os ares da pouca liberdade que existe no mundo ocidental dito livre.

Em “Outras Inquisições” Borges menciona o imperador Shih Huang Ti que ordenou que se construísse a infinita muralha para defender-se da invasão de bárbaros, e que todos os livros existentes antes dele fossem queimados, possivelmente para defender-se dos pensamentos e idéias que pudessem despertar seus súditos do sono da escravidão. Renunciar ao passado e isolar o império do mundo foram medidas que influenciaram o destino daquele povo. Ele não chegou a compreender, como tantos outros déspotas construtores de muralhas, que as soluções dos problemas humanos dependem do entendimento e da união entre os homens.

No decorrer dos séculos, as coisas não mudaram muito naquele longínquo império.

Não se pode apagar a Verdade contida nos livros, pois ela está estampada na Natureza e inscrita nas consciências. E piores são as muralhas mentais que separam a alma humana de sua consciência, tornando os homens violentos, irascíveis, desumanos e desunidos.

Os imperadores, os reis e os ditadores sempre estabeleceram uma sutil ligação entre teologia, tirania e despotismo. Os deuses inventados pelos homens sempre foram invocados para justificar atrocidades inomináveis, a escravidão e o terror. E não há maior terrorismo que a abominável submissão imposta pelo temor e pela mentira. Os escravizadores são os impostores de uma teocracia absurda que muitos chamam de política, que deveria ser a arte de gerir o bem comum, mas passou a ser a arte de chegar ao poder e permanecer nele indefinidamente, como muito bem sabem fazer os políticos e dirigentes que se eternizam em seus cargos nos dias de hoje.

O esférico Deus de Hermes Trimegistus, “uma esfera inteligível cujo centro está em todas as partes e a circunferência em nenhuma”, não quereria súditos escravizados, temerosos e ignorantes, porque vivendo em seus corações, não poderia ser contrário ou inimigo de Si mesmo, que tudo contém e com o que se confunde.

Ao invés de construir muralhas, o ser humano do futuro construirá pontes mentais de entendimento, caminhos que unam os homens e que integrem os fragmentos perdidos para que possam sentir e compreender o Deus invisível que está eloqüentemente presente nos grandes sentimentos, como na amizade, verdadeira ponte invisível que permitirá que a humanidade sobreviva.

O amigo que se ausenta deve ser recordado sempre para que não morra pela segunda vez; a sua sobrevivência dependerá desta recordação que será um tributo àquele espírito que continuará vivendo. E serão os nossos amigos que estarão presentes nas celebrações da vida e da morte. A amizade não pode ser uma ligação passageira e interesseira, senão a confortante experiência de estar acompanhado. E não se pode ser amigo de alguém se não se é de si mesmo. O sopro divino que habita o coração dos que são amigos desconhece as grosseiras muralhas dos defeitos pessoais. A amizade, em seu profundo significado, implica o amor que é a síntese e a essência do Deus único. Um amigo é como um espelho que pode nos ajudar no caminho evolutivo. Nesta mágica relação poderemos aprender muito.

Diante de uma ausência que parece ser irreparável, deveremos pensar que a vida celebra a vida, e que a alegria e a amizade sustentam o ser humano nos anos de sua vida terrestre. E que essa ausência não é mais que um sinal e um convite para que continuemos a nos ver e a nos falar através da recordação.
A amizade é um sentimento que dignifica a espécie humana; capaz de elevar a conduta pessoal a níveis de desprendimento, humanismo e heroísmo que chegam a surpreender a opinião do mais frio observador. No entanto, apesar disto, é fugaz, efêmera. Quantos distanciamentos incompreensíveis! Quanto sofrimento nas separações que jamais se cogitou! Quanta incompreensão! E a que se deve tudo isto? Por que o sentimento morre como se nunca tivesse existido?

Um amigo é uma riqueza imponderável que nos acompanha sempre. Nem mesmo o distanciamento ou a morte poderá abalar uma amizade conscientemente cultivada. Cada amizade é como uma planta que poderá florir se dispensarmos a ela o cuidado que exige tudo aquilo que queiramos que seja permanente em nossa vida. Para mantê-la será necessário aprender a protegê-la de pensamentos mesquinhos, interesseiros e egoístas; será necessário aprender a perdoar um agravo e compreender que por detrás dele deve haver algum defeito, algum equívoco comum a qualquer pessoa.

Os defeitos pessoais são muralhas psicológicas que precisam ser removidas com inteligência, como as da China, para que o homem possa conviver melhor consigo mesmo e com os semelhantes, e compreender qual a finalidade de sua vida no planeta.

Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br
www.twitter.com/soaredna

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