Tuesday, June 28, 2011

As Lições da Natureza

Salvar o meio ambiente significa salvar a humanidade da extinção. E a salvação humana prosseguirá sendo uma utopia enquanto não considerada como autossalvação.

A preocupação com o ambiente é uma modernidade positiva e construtiva, pois desvia a atenção de ódios e rancores ancestrais, da desmedida ambição, buscando melhores condições de vida no planeta para as gerações futuras.

Nestes tempos de violenta modernidade, o que se observa é o afastamento entre as pessoas e os povos, um distanciamento incompreensível provocado pela ignorância e preconceitos. Assim como a corrida espacial desviou a atenção das grandes potências na década de sessenta, que na iminência do confronto olharam para o espaço e esqueceram suas diferenças, ocupar-se com o meio ambiente pode ser um fator de união de esforços para a melhoria das relações com a natureza e entre os homens.

Apesar das agressões desferidas pelo ser humano, a natureza continua sendo pródiga em suas lições; fala de renovação e continuidade, simplicidade e silêncio, atividade e beleza; as lições contidas nela são mais eloqüentes que tudo quanto os livros possam ensinar. Toda a obra humana poderia ser recriada por ser um reflexo de outra maior. Muitos valorizam mais as humanas, sem perceberem que são um pálido reflexo de outra maior. Apesar da incompreensão, da soberba e da teimosia humanas em continuar trilhando pelo equivocado caminho do materialismo e do desrespeito à Natureza, que dá sempre uma grande lição de paciência.

Todas as manhãs, o sol ilumina os rostos e os corações, parecendo advertir ao homem que sua inteligência necessita luz. Todo amanhecer, mesmo nas sufocantes concentrações urbanas, sugere harmonia, atividade, beleza e esperança. O afastamento da Natureza é uma das causas da angústia, do vazio e do sofrimento que experimenta o homem moderno. Aproximar-se dela deveria ser uma reverência diária do aprendiz que busca realizar os ensinamentos estampados nesta parte da Obra Universal. E se não se tem olhos para ver estes ensinamentos, será necessário ser instruído na arte de ver o invisível.

Desenvolvimento sustentável, além de responsabilidade social, crescimento inteligente e cuidado com o meio ambiente, deveria significar solidariedade, respeito às diferenças e fraternidade. Nenhum país pode ser considerado desenvolvido ao arvorar-se à condição de manipulador de idéias e pensamentos para subjugar os demais. O mesmo acontece com as pessoas; a imposição traz consigo a impostura, presunção de uma superioridade fictícia; as pessoas inteligentes expõem ao invés de impor.

A crise ecológica que se presencia é mais um sintoma da grave crise espiritual por que passa a humanidade. O homem desentendeu-se com os seus semelhantes e com o planeta; as guerras têm suas causas neste desequilíbrio.

Embora sendo indivisível, o homem traz consigo uma natureza superior que pode ter presença ativa na vida através da organização de seu mecanismo psicológico. E ninguém poderá fazer isto por ele. Essa organização é o princípio do autoconhecimento que lhe permitirá ter um domínio sobre o que pensa e sente, convivendo melhor consigo e os outros. As degradações das relações humanas nada mais são do que o sintoma do grande vazio promovido pela ausência daquela chama superior que jaz adormecida como a bela princesa dos contos infantis. No poema Eros e Psique, Fernando Pessoa relata a aventura do príncipe fadado a procurar pela princesa dormida. Depois de vencer estrada e muro ele chega onde ela dormia. Ao levantar a hera que lhe cobria todo o corpo, descobre que ele mesmo era a princesa que dormia. Existe dentro de cada pessoa um ser mágico, adormecido, escondido, e que quer se manifestar.

Quando boa parte da humanidade despertar do sono, da indiferença e da inconsciência, e puder influenciar positivamente as mentes incipientes que aspiram à paz, à felicidade e aos conhecimentos, a revolução ecológica – espiritual se fará sentir em muitas partes, e a humanidade terá corrigido o rumo equivocado em que se lançou pelos obscuros caminhos do materialismo e da superstição.

Nagib Anderáos Neto
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Friday, June 17, 2011

Lobato, Lentz e o Gosto Pela Leitura

Numa carta escrita ao amigo Rangel, em quatro de Janeiro de 1904, dizia Monteiro Lobato: “Quando tudo mudar, daqui a cem anos, quem vai interessar-se pelas idéias de Lentz?” E algum dias depois, no dia 20, “Lentz simboliza a Alemanha perigosa que eu tenho medo surja de Nietzsche...”

Em 2006, 102 anos depois dessas cartas, encontrei-me com as idéias de Lentz na Patagônia, Livraria Café de La Barca, San Carlos de Bariloche.

Livros, café, tango, jazz e música clássica. Nos últimos vinte anos noticia-se que caiu pela metade o número de leitores entre os jovens no mundo.

“Criem cafés literários”, teria sugerido um célebre escritor.

No cardápio do café, uma sugestão para o dia: “Busque o lado bom de todas as pessoas”.

A Cordilheira, com sua alva imensidão lembrava o mar, tão belo e instrutivo, movimento perpétuo e elementar como a solidão gelada da Patagônia.

Naquela pequena livraria reencontrei Georg Büchner no livro dedicado a Lentz em cujo prólogo vi-me transportado ao passado onde a descrição da curta trajetória do dramaturgo alemão - que morreu precocemente aos 27 anos - ressaltava algumas obras importantes como “A Morte de Danton” que havíamos montado há 40 anos no inicio da faculdade.

“A arma da revolução é o terror”, bradava Robespierre, a personagem de Büchner que eu interpretara em tantos ensaios da magnífica e histórica peça que nunca chegamos a estrear. Havia uma grande angústia, uma enorme carga dramática no texto cujas motivações agora ficavam mais claras: Büchner estava a fugir da polícia e da justiça por ter criado uma sociedade de direitos do homem em 1835, Estrasburgo, e se opor aos poderosos, aos opressores, aos impostores, ansiando por uma Revolução Alemã, a semelhança da Francesa. A polícia o vigiava, e neste dia de grande excitação escreveu “A Morte de Danton”, produto de uma longa pesquisa que fizera e que espelhava o fatalismo da história.

Escrevera numa carta à família que para a classe majoritária existem somente duas molas: a miséria material e o fanatismo religioso. “Todo o partido que saiba manejar estas molas triunfará. O nosso tempo precisa de ferro e pão, e depois de uma cruz, ou qualquer outra coisa.”
Büchner recuperou Lentz – o poeta proscrito que fora amigo de Goethe e admirado por Kafka , que se transformou num paradigma para a psiquiatria por ter sido a primeira descrição exata de esquizofrenia, para a qual Nietsche lhe colocou um nome: o niilismo, a filosofia do nada - .

A pequena livraria na Patagônia era uma miniatura da grande e majestosa Ateneu em Buenos Aires, na Santa Fé, com o café situado no palco do teatro que tinha como platéia e galeria estantes e mais estantes de livros.

Não, o povo não precisa de pão e circo, senão de livros, bons livros, e escolas, boas escolas que ensinem as crianças a pensar, ao invés de papagaiar historias antigas e sem sentido ou a decorar os teoremas do preconceito.

Quando se vê as estatísticas sobre produção e consumo de livros no Brasil, número de livrarias e desenvolvimento do mercado livreiro,chega-se à conclusão que o quadro nacional é desalentador.

Como revertê-lo? O que fazer para que os jovens passem a ler mais e a matar menos o tempo em inutilidades?

Afinal, por que ler é importante?

Não falemos da literatura imprestável, dos enganadores, dos impostores, dos que vendem palavras sem conteúdo, auto-ajudas que pouco valem. Falemos das obras de qualidade que ajudam a pensar, a criar, a se comunicar.

O leitor é também um criador orientado pelo autor; constrói personagens, convive com eles, extasia-se, sofre, transporta-se para outros locais e épocas, busca soluções, pensa, sente e vibra com o desenrolar do romance ou do conto, reflete com as reflexões do autor, amplia seus conhecimentos sobre o mundo e os homens, aprende a ouvir, falar e escrever.

Através da leitura e da escrita podemos chegar a muitas partes e mundos, visitar o passado e arrojarmo-nos para o futuro, reviver ou viver por antecipação.

Cada bom livro é uma aventura particular e única que pode ser muito útil a quem empreende esta viajem. Os livros são como os seres humanos: nascem, tem um tempo de vida e desaparecem. Podem surgir depois de muitos anos em novas edições, se forem muito bons. Há os que têm conteúdo e os vazios, os bons e os maus, os inteligentes e os ignorantes. Sua leitura pode ajudar a leitura da vida, dos dias, do próprio acontecer.

Devemos todos ler muitos livros, bons livros, e dar um exemplo para que os jovens aprendam a gostar de ler.

Há um livro especial ao qual devemos dar a máxima atenção: a nossa obra, o livro da vida, aquele que vamos escrevendo e lendo a cada dia, no qual somos autores e personagens, onde ficará consignada a nossa trajetória humana na breve passagem pela Terra, o livro dos livros, a obra pessoal que cada um pode e deve realizar.

Criemos bons livros, e livrarias, e cafés literários como bem aconselhou um célebre escritor.

Parodiando o mestre Lobato, um país é feito de homens e livros.

Nagib Anderaos Neto
www.nagibanderaos.com.br

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Monday, June 06, 2011

Criatividade sem Autoritarismo

O homem que pensa cria, e luta por neutralizar seus baixos instintos. Paz e felicidade são asseguradas através do estímulo à criatividade que é tolhido nos jovens e nas crianças pelo autoritarismo, resquício medieval de inquisidores cruéis que se reproduzem como pragas na sociedade moderna e contra os quais se deve lutar, empenhando-se na busca da verdade como resposta à covardia e ao medo disseminado pelos impostores. Como muito bem dizia Russel, a moralidade nada tem a ver com regras ditadas por qualquer autoridade.

Se Deus é a Natureza e o Universo, e o homem parte de tudo, ele é um Deus em formação que através do conhecimento de si, um dos principais objetivos da vida inteligente, poderá transformar-se em Homem através da evolução. Desta forma, Deus não é assunto de adoração, veneração ou crença, senão de conhecimento.

A imortalidade encontra respaldo na ciência desde que um pensamento criado por uma pessoa possa sobreviver à sua morte. A História está repleta de exemplos, a criação sobrevivendo ao criador. Biologicamente, isso está arquicomprovado. Deus cuida da espécie, o indivíduo deve cuidar de si.

O cérebro morre com o corpo, mas os pensamentos podem sobreviver. A palavra tem um corpo, uma alma e um espírito, como bem ponderou o pensador González Pecotche. O corpo, a palavra escrita, a alma, a pronunciada, e o espírito a impronunciada, sua essência que pode se imortalizar.

Deus não escreve livros, e sim homens, naturezas, o Universo. Este é o Verbo Divino. Homens escrevem livros, e a linguagem humana provem daquela – a ancestral - pois visa nomear uma escritura maior.E de onde provêm as diversas línguas criadas pelos homens?

A linguagem - as palavras que deveriam ser utilizadas para nomear o Verbo e para que os homens se unissem neste trabalho - passou a ser instrumento de dissensão. Então surgiram as línguas, os afastamentos, a linguagem decaída, a babélica.Se a palavra escrita é o corpo físico do pensamento, para se chegar a ele – que é invisível, incorpóreo –, poderemos fazê-lo através dela.

Se o corpo físico do homem, o visível, o palpável, guarda em suas profundezas a inteligência, a sensibilidade e a essência invisível e intocada, ele - o espírito - assemelha-se ao pensamento, à essência invisível da palavra.

“O essencial é invisível aos olhos”, escreveu o inspirado piloto francês.

Assim, o espírito, como o pensamento – invisíveis e essenciais que são –, como os sentimentos, os sonhos e as recordações, deveriam merecer de nós uma atenção maior.

E como ocupar-se mais de si ? Como conhecer-se melhor?

A tarefa não é fácil, mas não impossível; começando por deixar de ocupar-se tanto dos outros e do que nos cerca, cultivando um olhar reflexivo e auto-observador. Somos especialistas na observação do que acontece ao redor, mas ausentes de nós. Não chegamos a aproveitar as lições do que nos cerca para aperfeiçoar-nos, que é o que mais deveria nos interessar.

Não somos muito diferentes de um pensamento que pode ser bom ou mau, que necessita reproduzir-se para sobreviver como espécie; que pode evoluir nos curtos anos de vida física.

Deus quer que o ser humano use a inteligência e o coração para aproximar-se da Verdade que se confunde com o aperfeiçoamento. Ele não é o pai vingativo que atemoriza os filhos e se regozija com guerras fratricidas que os insensatos, os impostores e os ditadores dizem fazer em Seu nome.

Lutar pela liberdade própria e social, procurando respirar as verdades imanentes à Natureza, e as que brotam da inteligência e do coração, é a sensata e eloqüente postura do aprendiz que, apesar de reconhecer as suas limitações, não se conforma com a imobilidade e a submissão.

Assim, para que não sejamos letra morta num livro inútil e sem vida, deveremos aprender a escrever a nossa história com letras visíveis e invisíveis, como autores e atores, ao invés de espectadores passivos a assistir aos dramas vividos por tantos que sofrem por não pensar, por falar línguas diversas, por estar sempre a se desentender.

E talvez possamos recuperar a linguagem perdida que na infância da humanidade sabíamos tão bem pronunciar.




Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br

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