Thursday, April 26, 2012

A Fé Consciente

"Aquilo que não se compreende não se possui", escreveu J.W. Goethe. "Entendo, mas não compreendo", dizem os universitários frente a uma passagem complexa de uma demonstração teórica. A compreensão implica uma apreensão total, posse, integração de um fragmento de Verdade ao patrimônio pessoal. É uma iluminação interior, uma culminação fruto de um processo no qual a inteligência e a sensibilidade participam. Um fragmento de Verdade pode ser vislumbrado pela intuição, mas deverá ser confirmado pela razão de forma que, como compreensão, faça parte do patrimônio individual. Se não se confirma pessoalmente propende-se à fé cega, à anulação da inteligência, à falência da mente e do espírito. O que se compreendeu, a compreensão, implica uma fé consciente fruto da comprovação da Verdade pela razão. A compreensão é de índole espiritual, acrescenta ao espírito o que lhe falta. Nada tem a ver com a ilustração do intelecto senão com a formação da individualidade. A necessidade espiritual, o vazio interior, a fome por Verdade e conhecimento superior, existe em todos os seres humanos. Uma fome que tem sido alimentada com o pão amanhecido da ilusão e da tergiversação. À fé consciente se chega pela compreensão, posse gradativa de fragmentos de Verdade que se obtém no decorrer do processo da vida; pela liberação espiritual que somente o indivíduo pode fazer por si mesmo.

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O Jovem Poeta Rilke

Uma coisa é escrever, outra publicar. Em cartas a Um Jovem Poeta, Rilke deixa isto muito bem explicado. Orienta o companheiro de correspondência a que se consulte sobre a necessidade de escrever. Você morreria se fosse impossibilitado? É uma necessidade vital? Entre esse e outros conselhos, instrui o artista em formação a viver mais dentro de si e menos envolvido nas vacuidades do mundo exterior; que não pense no sucesso para os outros, mas na indizível felicidade de encontrar alegria no convívio consigo mesmo. “Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, esta esplêndida e régia riqueza, este tesouro de recordações?”, escreveu na primeira carta do livro em 17 de Fevereiro de 1903 enviada de Paris. As dez cartas que Rainer Maria Rilke (1875-1926) escreveu a Franz Xavier Kapus entre 1903 e 1928 foram editadas na Alemanha em 1929. Nascido em Praga, ele foi um dos principais poetas da moderna literatura alemã. Rilke não gostava da religião organizada e tinha profunda desconfiança da profissão médica; talvez por isso tenha morrido prematuramente de leucemia não diagnosticada. Seus pais eram de classe média e falavam alemão. Aos 20 anos já havia publicado dois livros. Sua existência era sua poesia. A psicanalista Lou Andreas – Salomé, que fora treinada por Freud, foi sua namorada e mentora. Ela o aconselhou a trocar o nome René por Rainer. Consta que teria sido boa professora. Ele conviveu com Rodin, Cezane e Picasso. Viajou por toda da Europa. Casou-se com a escultora alemã Clara Westhoff em 1903 e teve uma filha, Ruth, mas logo abandonou a família atraído pelas luzes de Paris onde publicou muitos livros. Viajou muito e participou da Primeira Guerra. Afastou-se da Alemanha por considerá-la causadora daquele grande conflito bélico. Escreveu milhares de cartas para centenas de pessoa, verdadeiros ensaios para seus poemas no aparente silêncio do período da guerra. O jovem e atormentado poeta quis deixar consignado o testemunho do que viveu e sentiu. No meio de seus escritos encontram-se reflexões sentidas e lúcidas sobre diversos aspectos da vida do ser humano. Para ele, a morte seria “a outra metade da vida”. “Posse é pobreza e medo: a posse despreocupada é ter possuído algo e dele ter aberto mão!” “Em algum lugar, o mais denso matagal pode produzir folhas, uma flor, uma fruta. E, em algum lugar, na providência mais extrema de Deus, haverá também um inseto que colherá riqueza dessa flor, ou uma fome a qual essa fruta será bem-vinda.” “Muitas vezes na vida parece que nada importa senão a mais longa paciência!” “Por fim – nós o sabemos -, a pequena sabedoria da vida consiste em esperar (mas esperar no estado de espírito certo, puro), e a grande graça que de tempos em tempos nos é concedida consiste em sobreviver.” Nagib Anderáos Neto

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Tuesday, April 10, 2012

As Palavras Bumerangue

As palavras deveriam constituir um patrimônio de inestimável valor representando a pessoa que as emitiu. Cuida-se muito pouco delas. Se o ser humano tivesse consciência do grande mal que inflige a si ao emitir impulsiva, apressada e irrefletidamente palavras que levam o selo da discórdia, da indiscrição, da intromissão e da maledicência, e que este agravo acaba por voltar-se contra ele - como a arma de arremesso dos indígenas australianos - cuidaria das próprias como sagradas. Elas representam os pensamentos da pessoa.
Em geral, o homem se move mentalmente em função de pensamentos alheios que absorve pelos meios que circula. Essa importação, que pode ser positiva ou negativa, cria um ambiente mental antagônico e indisciplinado sem que se tenha um controle sobre ele; diz o que não queria, prejudica-se por falar demais, ofende os que ama e assim por diante.
Não é conveniente querer falar bem antes de aprender a pensar. O conteúdo da palavra, o pensamento que a anima, deverá estar apoiado na conduta que possa atestar sua natureza.
Quais fatores dificultam a livre expressão do pensamento? Por que a maioria das pessoas tem dificuldade para falar em público?
O bom conhecimento da língua favoreceria aquela prática; quanto maior o vocabulário, maiores recursos de expressão. Há pessoas que têm um grande conhecimento da língua, um amplo vocabulário adquirido através da leitura, mas grande dificuldade em expor o pensamento.
Existem certas limitações psicológicas comuns à maior parte das pessoas que impedem a livre manifestação das idéias. É muito comum ocorrer o esquecimento ou que se fuja do assunto por causa de uma preocupação. Essa falta de domínio é generalizada. A maior parte das pessoas padece desse mal, e por um motivo bastante simples: o desconhecimento da estrutura mental para que se possa agilizar a observação, a reflexão, a recordação, o pensar, julgar e combinar. É necessário conhecer esse mecanismo e adestrá-lo para desenvolvê-lo, como fazemos com as capacidades físicas.
Certa vez alguém disse que Deus fez o ser humano com dois ouvidos e uma boca, para ouvir mais e falar menos. A admirável arte do silêncio permite a quietude mental do aprendiz que quer ouvir, possibilitando o desenvolvimento da comunicação através da palavra. Saber calar, para poder ouvir e falar.
Aquietar e silenciar os pensamentos, ouvir com atenção as idéias do interlocutor, expor com serenidade e segurança as idéias, pensamentos e convicções, respeitar as que não coincidam com as nossas, buscar o ponto de conciliação entre as diferenças. Tudo faz parte de uma conduta de exceção nestes tempos de desencontros e incompreensões.
Se não aprendemos a ouvir os pensamentos e idéias das outras pessoas, tendemos a cair na obstinação, a não aceitar nenhuma variante ou reparo aos nossos pontos de vista. O obstinado quer que os outros conciliem com suas idéias, mas ele nunca é capaz de conciliar com as alheias; é incapaz de ouvir qualquer coisa além daquilo que ele admite ou vê. O que discorda dele é considerado inimigo. Existe, na grande maioria dos seres humanos, certa dose de obstinação, essa surdez mental que nos impede extrair dos critérios alheios algo que nos ajude a superar a rigidez cadavérica de nosso juízo e teimosia -. No entanto, para compensar, existe também o gérmen da transigência, capacidade de avaliar os outros critérios e alterar os próprios quando uma razão maior ou uma nova situação exija, como muito bem ponderou González Pecotche em seu livro “Deficiências e Propensões do Ser Humano”.
O início de uma ação consciente caracteriza-se pela atenção e cuidado com as palavras que se pronuncia. Elas representam os pensamentos que estão na mente de quem as utiliza.
Cuidar mente e dos pensamentos significa zelar pela vida e o conceito pessoal.


Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br

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