Sócrates e a Busca da Sabedoria
Sócrates era visto como um corruptor perigoso da juventude. A todos exortava a que não se preocupassem tanto com as coisas materiais, senão com a alma; se tornassem pessoas boas. Um sábio, que dizia nada saber , e poderia ter sido um ponto de inflexão cultural e dos costumes, mas não o foi. Tomou da cicuta, cumprindo o destino imposto pelos juízes e políticos, para os quais um povo pensante não seria conveniente. Quando o filósofo disse ser imortal, quis, talvez, significar que seus pensamentos e ideias sobreviveriam à sua morte, e seguiriam pelos séculos, como fachos luminosos para as inteligências, que se decidissem pensar.
Para o filósofo grego, nada mais interessava que a Verdade e a Justiça; por tal postura foi condenado pelo Estado decadente.
Para seu discípulo, Platão, as virtudes seriam arquétipos, que o ser humano traz consigo ao nascer (contrariamente ao conceito de pecado original colocado séculos depois na cultura ocidental), mas que, misteriosamente, ficariam aprisionadas no ser humano, esperando a liberação de seu mutismo. Haveria no Universo um impulso natural para a perfeição; os arquétipos estariam no mundo metafísico, revestidos de profunda realidade e permanência. Os seres seriam transitórios, os arquétipos, permanentes. O homem existira antes de sua existência temporal, como arquétipo.
Aristóteles, herdeiro do pensamento de ambos, afirmara que a Natureza é um processo de autorrealização e auto-aperfeiçoamento. O homem tem de transformar-se em Homem (humanismo). O que distingue o homem do animal é a razão. O sentido da existência seria o conhecimento. “Tudo da Natureza traz algo de divino em si.” A divindade é imanente à Natureza, e não exterior à ela.
“Não se deve escutar a advertência daqueles que dizem que o homem deve pensar apenas no humano, o mortal, no mortal: antes, devemos empenhar-nos, tanto quanto o possível, em ser imortais.”
Interessante observar como os três pensadores se confundem num só, se complementam. Sabe-se que Sócrates foi um mestre oral, nada deixou escrito; todas as referências provêm de Platão, seu discípulo. E essas ideias atravessaram séculos de obscurantismo espiritual. E as palavras atribuídas a ele ao término de sua defesa viajaram no tempo como um misterioso sinal a ser decifrado: “É chegada a hora de partir: a mim, para morrer; a vós, viver. Quem de nós enfrentará o melhor destino é desconhecido de todos, exceto de Deus.”
Existe um paralelismo entre o pensamento de Spinoza e Sócrates, que diziam, de formas similares, que o homem não era o compacto, o tocável, senão o invisível, o da essência. Afirmavam que todo o ser humano tinha em seu interior tudo para se desenvolver; deveria, primeiro,conhecer-se, e, depois, o que o cercava; o princípio da sabedoria consistiria no reconhecimento da própria ignorância. Ambos foram condenados pelo poder político, por opor-se às ideias dos governantes, e não cultuar suas personalidades, e nem as divindades do Estado.
Apesar de ter a oportunidade de fugir, o filósofo grego não o fez. "Sócrates é imortal. Podem matar o invólucro de Sócrates, mas Sócrates é imortal." E, segundo Platão, enfrentou a morte com serenidade. Talvez por ter compreendido que a morte verdadeira fosse o não pensar, a submissão aos pensamentos pensados por outras pessoas, e à cruel ditadura dos mercadores da verdade.
Embora estes filósofos, como tantos outros que os sucederam, tivessem intuído um caminho e conhecimento que transcendessem o dia-a-dia rotineiro de uma vida materializada e vazia, não conseguiram vislumbra-lo com clareza nem tampouco trilhá-lo, para que pudessem, depois, ensinar às gerações que lhes sucederiam. Deixaram marcos, avisos, alertas, que não foram tomados em conta, e a humanidade mergulhou nos fanatismos de toda a espécie, sejam políticos ou religiosos, sempre muito próximos, e que têm distanciado a humanidade da verdade, e a tem separado em ideologias, raças, religiões, partidos políticos.
O que significa afinal preocupar-se com a alma? Como se tornar uma pessoa boa sem ser ingênua? O que é a verdade e a justiça? Como aperfeiçoar-se e transformar-se em Homem, atingindo a imortalidade?
Cada ser humano haverá de buscar as respostas por si mesmo, pois as que foram entregues prontas não são mais que o pão amanhecido e duro da tergiversação. Respostas prontas imobilizam a inteligência; são formas padronizadas, que impedem o movimento e a evolução.
Ao invés de procurar o elo perdido nos primatas, o homem do futuro haverá de buscá-lo em si mesmo, no seu coração e consciência, na prerrogativa evolutiva que lhe foi dada pelo Deus único, que os céticos chamam de acaso, e cuja face visível é o Universo, e a invisível as suas Leis, que podem ir sendo conhecidas pelo ser em evolução.
Nagib Anderáos Neto
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