Tuesday, July 14, 2009

A Muralha da Muralha da China

Não bastasse a extensa e duvidosa muralha física que cerca o continental império chinês, agora ela se estende aos âmbitos eletrônicos com severas restrições de acesso à informação pela internet para que o mundo não saiba das atrocidades que lá se comete e o escravizado povo não receba os ares da pouca liberdade que existe no mundo ocidental dito livre.

Em “Outras Inquisições” Borges menciona o imperador Shih Huang Ti que ordenou que se construísse a infinita muralha para defender-se da invasão de bárbaros, e que todos os livros existentes antes dele fossem queimados, possivelmente para defender-se dos pensamentos e idéias que pudessem despertar seus súditos do sono da escravidão. Renunciar ao passado e isolar o império do mundo foram medidas que influenciaram o destino daquele povo. Ele não chegou a compreender, como tantos outros déspotas construtores de muralhas, que as soluções dos problemas humanos dependem do entendimento e da união entre os homens.

No decorrer dos séculos, as coisas não mudaram muito naquele longínquo império.

Não se pode apagar a Verdade contida nos livros, pois ela está estampada na Natureza e inscrita nas consciências. E piores são as muralhas mentais que separam a alma humana de sua consciência, tornando os homens violentos, irascíveis, desumanos e desunidos.

Os imperadores, os reis e os ditadores sempre estabeleceram uma sutil ligação entre teologia, tirania e despotismo. Os deuses inventados pelos homens sempre foram invocados para justificar atrocidades inomináveis, a escravidão e o terror. E não há maior terrorismo que a abominável submissão imposta pelo temor e pela mentira. Os escravizadores são os impostores de uma teocracia absurda que muitos chamam de política, que deveria ser a arte de gerir o bem comum, mas passou a ser a arte de chegar ao poder e permanecer nele indefinidamente, como muito bem sabem fazer os políticos e dirigentes que se eternizam em seus cargos nos dias de hoje.

O esférico Deus de Hermes Trimegistus, “uma esfera inteligível cujo centro está em todas as partes e a circunferência em nenhuma”, não quereria súditos escravizados, temerosos e ignorantes, porque vivendo em seus corações, não poderia ser contrário ou inimigo de Si mesmo, que tudo contém e com o que se confunde.

Ao invés de construir muralhas, o ser humano do futuro construirá pontes mentais de entendimento, caminhos que unam os homens e que integrem os fragmentos perdidos para que possam sentir e compreender o Deus invisível que está eloqüentemente presente nos grandes sentimentos, como na amizade, verdadeira ponte invisível que permitirá que a humanidade sobreviva.

O amigo que se ausenta deve ser recordado sempre para que não morra pela segunda vez; a sua sobrevivência dependerá desta recordação que será um tributo àquele espírito que continuará vivendo. E serão os nossos amigos que estarão presentes nas celebrações da vida e da morte. A amizade não pode ser uma ligação passageira e interesseira, senão a confortante experiência de estar acompanhado. E não se pode ser amigo de alguém se não se é de si mesmo. O sopro divino que habita o coração dos que são amigos desconhece as grosseiras muralhas dos defeitos pessoais. A amizade, em seu profundo significado, implica o amor que é a síntese e a essência do Deus único. Um amigo é como um espelho que pode nos ajudar no caminho evolutivo. Nesta mágica relação poderemos aprender muito.

Diante de uma ausência que parece ser irreparável, deveremos pensar que a vida celebra a vida, e que a alegria e a amizade sustentam o ser humano nos anos de sua vida terrestre. E que essa ausência não é mais que um sinal e um convite para que continuemos a nos ver e a nos falar através da recordação.
A amizade é um sentimento que dignifica a espécie humana; capaz de elevar a conduta pessoal a níveis de desprendimento, humanismo e heroísmo que chegam a surpreender a opinião do mais frio observador. No entanto, apesar disto, é fugaz, efêmera. Quantos distanciamentos incompreensíveis! Quanto sofrimento nas separações que jamais se cogitou! Quanta incompreensão! E a que se deve tudo isto? Por que o sentimento morre como se nunca tivesse existido?

Um amigo é uma riqueza imponderável que nos acompanha sempre. Nem mesmo o distanciamento ou a morte poderá abalar uma amizade conscientemente cultivada. Cada amizade é como uma planta que poderá florir se dispensarmos a ela o cuidado que exige tudo aquilo que queiramos que seja permanente em nossa vida. Para mantê-la será necessário aprender a protegê-la de pensamentos mesquinhos, interesseiros e egoístas; será necessário aprender a perdoar um agravo e compreender que por detrás dele deve haver algum defeito, algum equívoco comum a qualquer pessoa.

Os defeitos pessoais são muralhas psicológicas que precisam ser removidas com inteligência, como as da China, para que o homem possa conviver melhor consigo mesmo e com os semelhantes, e compreender qual a finalidade de sua vida no planeta.

Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br
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