A Arte e o Sonho
Qual mistério envolve a atividade artística quando o ser humano decide elevar-se sobre a mediocridade da vida rotineira para alçar-se em voos cujas obras eternizam-se, transcendendo os curtos anos de vida na Terra?
Por que arte e cultura são tão celebradas?As crianças trazem consigo uma vocação natural para elas que se vai apagando ao tempo em que crescem e vão sendo influenciadas e sufocadas por este mundo cheio de idéias práticas permeadas pelas ânsias da produção, trabalho, lucro e exploração. O pequeno artista transforma-se num homem amargo, previsível e frustrado, numa jornada tão bem ilustrada pelo mito de Sisífo e resumida num trabalho rotineiro, inútil e sem esperança. Mas o espírito – imanência de Deus no homem – vinga-se da alma adulta nas noites eternas transformando o seu sono em espetáculos inesperados onde o pequeno artista renasce como autor e ator, cumprindo o seu destino naquele palco metafísico chamado sonho. A criança eterna de Caieiro está ali a apontar a direção de um grande destino do qual aquele ser infeliz se desviou: ser o criador de si mesmo, escultor da própria imagem, pintor do destino e escritor de sua história.
A matéria inextricável e confusa de pensamentos desconexos que no dia se atropelavam naquela mente desorganizada, durante a noite integra-se em personagens assustadoras que se enredam em pesadelos terríveis ou compõe idílicas e eufônicas passagens que perduram na recordação como reminiscências inefáveis. Durante o sonho, a criança vem cobrar o seu destino e reafirmar que existe e gostaria de estar presente na vigília, este outro sonho misterioso e inescrutável.
Diz-nos Borges em A Rosa Profunda (O Sonho, 93) que “dessa região imersa resgato restos que não consigo compreender: ervas de singela botânica, animais um pouco diferentes, diálogos com os mortos, rostos que na verdade são máscaras, palavras de linguagem muito antigas e às vezes um horror incomparável ao que nos pode conceder o dia”.
Quantas vezes assustados emergimos de um pesadelo sufocante e nos dizemos aliviados que era apenas um sonho! E quantas outras, em meio à vigília exasperante, perguntamo-nos se o que está nos acontecendo não seria um pesadelo.
O pensador e humanista Gozález Pecotche escreveu no livro O Espírito: “Sobre os sonhos já se fizeram inúmeras proposições. Muitos pretenderam decifrá-los, dar-lhes um significado particular; muitos também teceram em torno deles fantásticas conjeturas, mas ninguém jamais expressou que é o espírito quem os provoca, em seu constante esforço por se fazer presente em nossa vida diária”.
A arte faz parte da vida do ser humano e é tão antiga quanto a civilização. A pictografia ancestral, como o pendor infantil para a comunicação através dela, é a prova cabal de que o homem é diferente dos animais. O primitivo, além de caçar, comer, dormir e se reproduzir tinha a necessidade de se comunicar através da arte. É interessante observar como pintar, esculpir ou produzir um texto literário são processos lentos. O artista não pode ser impaciente e nem preguiçoso. Deus é paciência, diz a personagem de Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas. Quando vemos um quadro e os esboços feitos previamente pelo artista, constatamos que a obra final pouco tem a ver com o projeto inicial; que no exercício da criação houve uma alteração dos rumos iniciais. A arte tem a ver com habilidades mentais e sensíveis que podem ser usadas para o bem ou para o mal, como os conhecimentos. Uma reflexão mais profunda sobre a beleza e a verdade nos levam à conclusão que ambas devam caminhar juntas no processo de criação, que não podem ser excludentes.
Uma forma de arte revolucionária e pouco conhecida é a que vem sendo estudada e aplicada em centros avançados de estudos espalhados pelo mundo — verdadeiras escolas de adiantamento mental — e que consiste na criação do próprio artista, certamente a mais difícil de todas as artes: a arte de criar a si mesmo. É uma arte difícil por tratar-se de uma recriação pessoal; uma obra para toda a vida onde se é instruído no sentido de reconhecer todos os defeitos e imperfeições. O seu cultivo exige esforço, constância e observação.
Inspirado na obra maior que é a Criação, o ser humano pode transformar-se no autor e ator de seus próprios dias, dono de seu destino e artífice do futuro, dando um salto mortal por sobre tudo o que tem estreitado sua visão e endurecido o seu coração.
Esta é uma arte com a qual podemos sonhar.
Nagib Anderaos Neto
www.nagibanderaos.com.br
Por que arte e cultura são tão celebradas?As crianças trazem consigo uma vocação natural para elas que se vai apagando ao tempo em que crescem e vão sendo influenciadas e sufocadas por este mundo cheio de idéias práticas permeadas pelas ânsias da produção, trabalho, lucro e exploração. O pequeno artista transforma-se num homem amargo, previsível e frustrado, numa jornada tão bem ilustrada pelo mito de Sisífo e resumida num trabalho rotineiro, inútil e sem esperança. Mas o espírito – imanência de Deus no homem – vinga-se da alma adulta nas noites eternas transformando o seu sono em espetáculos inesperados onde o pequeno artista renasce como autor e ator, cumprindo o seu destino naquele palco metafísico chamado sonho. A criança eterna de Caieiro está ali a apontar a direção de um grande destino do qual aquele ser infeliz se desviou: ser o criador de si mesmo, escultor da própria imagem, pintor do destino e escritor de sua história.
A matéria inextricável e confusa de pensamentos desconexos que no dia se atropelavam naquela mente desorganizada, durante a noite integra-se em personagens assustadoras que se enredam em pesadelos terríveis ou compõe idílicas e eufônicas passagens que perduram na recordação como reminiscências inefáveis. Durante o sonho, a criança vem cobrar o seu destino e reafirmar que existe e gostaria de estar presente na vigília, este outro sonho misterioso e inescrutável.
Diz-nos Borges em A Rosa Profunda (O Sonho, 93) que “dessa região imersa resgato restos que não consigo compreender: ervas de singela botânica, animais um pouco diferentes, diálogos com os mortos, rostos que na verdade são máscaras, palavras de linguagem muito antigas e às vezes um horror incomparável ao que nos pode conceder o dia”.
Quantas vezes assustados emergimos de um pesadelo sufocante e nos dizemos aliviados que era apenas um sonho! E quantas outras, em meio à vigília exasperante, perguntamo-nos se o que está nos acontecendo não seria um pesadelo.
O pensador e humanista Gozález Pecotche escreveu no livro O Espírito: “Sobre os sonhos já se fizeram inúmeras proposições. Muitos pretenderam decifrá-los, dar-lhes um significado particular; muitos também teceram em torno deles fantásticas conjeturas, mas ninguém jamais expressou que é o espírito quem os provoca, em seu constante esforço por se fazer presente em nossa vida diária”.
A arte faz parte da vida do ser humano e é tão antiga quanto a civilização. A pictografia ancestral, como o pendor infantil para a comunicação através dela, é a prova cabal de que o homem é diferente dos animais. O primitivo, além de caçar, comer, dormir e se reproduzir tinha a necessidade de se comunicar através da arte. É interessante observar como pintar, esculpir ou produzir um texto literário são processos lentos. O artista não pode ser impaciente e nem preguiçoso. Deus é paciência, diz a personagem de Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas. Quando vemos um quadro e os esboços feitos previamente pelo artista, constatamos que a obra final pouco tem a ver com o projeto inicial; que no exercício da criação houve uma alteração dos rumos iniciais. A arte tem a ver com habilidades mentais e sensíveis que podem ser usadas para o bem ou para o mal, como os conhecimentos. Uma reflexão mais profunda sobre a beleza e a verdade nos levam à conclusão que ambas devam caminhar juntas no processo de criação, que não podem ser excludentes.
Uma forma de arte revolucionária e pouco conhecida é a que vem sendo estudada e aplicada em centros avançados de estudos espalhados pelo mundo — verdadeiras escolas de adiantamento mental — e que consiste na criação do próprio artista, certamente a mais difícil de todas as artes: a arte de criar a si mesmo. É uma arte difícil por tratar-se de uma recriação pessoal; uma obra para toda a vida onde se é instruído no sentido de reconhecer todos os defeitos e imperfeições. O seu cultivo exige esforço, constância e observação.
Inspirado na obra maior que é a Criação, o ser humano pode transformar-se no autor e ator de seus próprios dias, dono de seu destino e artífice do futuro, dando um salto mortal por sobre tudo o que tem estreitado sua visão e endurecido o seu coração.
Esta é uma arte com a qual podemos sonhar.
Nagib Anderaos Neto
www.nagibanderaos.com.br
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