Tuesday, February 09, 2010

Cem Anos Com Machado de Assis

Na madrugada de 29 de Setembro de 1908, lúcido e recusando a presença de um padre, morreu Machado de Assis. Nascido aos 21 dias de Junho de 1839, numa parte suja da cidade do Rio de Janeiro, meio escravo, tornou-se um dos maiores escritores da amada língua portuguesa. Afeito à reflexão, ironizou a bondade dos brancos à época da abolição e também o advento republicano.
Sua morte lembra a de Voltaire. Ambos anticlericais, exímios escritores, conhecedores profundos da psicologia humana, críticos ímpares da sociedade e dos costumes, defensores da cultura e da liberdade, da literatura e da filosofia, lutaram bravamente contra as ervas-daninhas que entorpecem o solo mental e impedem o florescimento das idéias.
A leitura de Machado é uma aula de português sem-fim e um encontro com o Brasil – Colônia, com um Rio de Janeiro que não existe mais.
Os jovens leitores, no entanto, precisam ser preparados para lê-lo, e nunca por obrigação, como faziam nossos antigos mestres, pois a leitura deve ser uma forma de felicidade, como muito bem assinalou Borges, o notável escritor argentino.
Tendo passado pelo realismo e pelo romantismo, sua obra é muito reflexiva e irônica. Chama a atenção o soneto a Carolina, companheira de longos anos, na despedida em 1904:

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho aos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

Machado de Assis do Rio antigo e da Academia, homem dos doces, das letras e dos jornais, brasileiro ímpar, nos diria que a vida dura um tanto e depois cessa. Diríamos que não, pois ele prova a nossa tese: a vida dura quanto deve durar e pode transcender a morte, como a dele, que continua vivendo na nossa.
E de certa forma ele assim o intuiu no soneto que fala do mundo interior como um contraponto à natureza exterior quando diz:

E contudo, se fecho os olhos e mergulho
Dentro de mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia, - e dorme.


Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br

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