AUTOPSICOGRAFIA
Encontrei o papel amassado na gaveta com um texto apócrifo escrito com a minha letra há 20 anos. A data estava nítida, mas não me recordava de tê-lo escrito.
Recordei-me de um artigo do professor Deonísio da Silva que dizia ser o escritor uma espécie de médium, que não haveria muita decisão antecipada sobre o texto produzido. Os pretensos espíritos incorporados não seriam mais do que a própria pessoa a produzir literatura.
Alguns versos de Fernando Pessoa vieram-me à mente:
“O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente”.
Para o professor, todos os livros são psicografados, criações humanas que podem ter vida própria, como os seres humanos. No dizer do editor José Antonio Antonini, “eles nascem, vivem um tempo, e depois morrem. Se forem muito bons, nascem de novo em novas encadernações”.
Todos os livros que escrevemos são psicografados, escritos por nosso espírito.
Lembrou-nos o professor que Goethe, ao morrer, pediu mais luz. E eu pensei que todos precisam de mais luz. E trouxe-me de volta Stephan Zweig, escritor que tanto li na juventude:
“Há no estertor da morte uma beleza/Transcendente, ignota, luminosa/ Beleza sossegada e silenciosa, /Da luz branca da Paz, trêmula e acesa...”.
Quanta luz encontramos no decorrer da vida em nossos amigos, nos livros, presenças que não morrem nunca...
Mas aquele papel amassado trazia o mistério da Esfinge que sempre me perseguiu.
“Este teu sangue metafísico/Corrente de antigas reminiscências/Traz no presente sensações incompreensíveis/ De já ter vivido e presenciado/A cena, o momento, a emoção. / Um rosto estranho se mostra familiar/ E a situação parece repetida/Filme já visto/História secular que irrompe no presente. /Novo na carne/Velho por dentro/És a expressão de um mistério indecifrado/Esfinge vivente/Em teu sonho pueril de ser etéreo, invisível/Herói desconhecido de um mundo infantil/Que ninguém, senão tu mesmo, haverá de explicar-te./
Estrondo de portas que explode na noite/Vivaldi alegre numa estação sem fim/Apartamento vazio/Alma incompreendida/Terremoto/Castelo de cartas/Noticias de jornal/Pregador solto/Vendaval “
A Esfinge Vivente reportou-me à Gisé, às areias ao lado da pirâmide onde a misteriosa escultura olhava com seu sorriso enigmático- Monalisa do deserto- na direção do nascente, para além do tempo, para o infinito.A cabeça humana sobre o corpo de animal representando a vitória do espírito sobre a brutalidade, e seu misterioso nexo com Ra, o deus egípcio do sol, a ensinar que cada ser humano deveria decifrar-se para não ser devorado por sua natureza inferior.
O papel amassado continuava em minhas mãos e eu me recordei de tê-lo escrito. Pude reviver os momentos daquela noite longínqua e invernal, ouvir novamente o zunido do vento e Vivaldi a encantar numa estação sem fim.
Nagib Anderáos Neto
nagib@sobloco.com.br
www.nagibanderaos.com.br
Recordei-me de um artigo do professor Deonísio da Silva que dizia ser o escritor uma espécie de médium, que não haveria muita decisão antecipada sobre o texto produzido. Os pretensos espíritos incorporados não seriam mais do que a própria pessoa a produzir literatura.
Alguns versos de Fernando Pessoa vieram-me à mente:
“O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente”.
Para o professor, todos os livros são psicografados, criações humanas que podem ter vida própria, como os seres humanos. No dizer do editor José Antonio Antonini, “eles nascem, vivem um tempo, e depois morrem. Se forem muito bons, nascem de novo em novas encadernações”.
Todos os livros que escrevemos são psicografados, escritos por nosso espírito.
Lembrou-nos o professor que Goethe, ao morrer, pediu mais luz. E eu pensei que todos precisam de mais luz. E trouxe-me de volta Stephan Zweig, escritor que tanto li na juventude:
“Há no estertor da morte uma beleza/Transcendente, ignota, luminosa/ Beleza sossegada e silenciosa, /Da luz branca da Paz, trêmula e acesa...”.
Quanta luz encontramos no decorrer da vida em nossos amigos, nos livros, presenças que não morrem nunca...
Mas aquele papel amassado trazia o mistério da Esfinge que sempre me perseguiu.
“Este teu sangue metafísico/Corrente de antigas reminiscências/Traz no presente sensações incompreensíveis/ De já ter vivido e presenciado/A cena, o momento, a emoção. / Um rosto estranho se mostra familiar/ E a situação parece repetida/Filme já visto/História secular que irrompe no presente. /Novo na carne/Velho por dentro/És a expressão de um mistério indecifrado/Esfinge vivente/Em teu sonho pueril de ser etéreo, invisível/Herói desconhecido de um mundo infantil/Que ninguém, senão tu mesmo, haverá de explicar-te./
Estrondo de portas que explode na noite/Vivaldi alegre numa estação sem fim/Apartamento vazio/Alma incompreendida/Terremoto/Castelo de cartas/Noticias de jornal/Pregador solto/Vendaval “
A Esfinge Vivente reportou-me à Gisé, às areias ao lado da pirâmide onde a misteriosa escultura olhava com seu sorriso enigmático- Monalisa do deserto- na direção do nascente, para além do tempo, para o infinito.A cabeça humana sobre o corpo de animal representando a vitória do espírito sobre a brutalidade, e seu misterioso nexo com Ra, o deus egípcio do sol, a ensinar que cada ser humano deveria decifrar-se para não ser devorado por sua natureza inferior.
O papel amassado continuava em minhas mãos e eu me recordei de tê-lo escrito. Pude reviver os momentos daquela noite longínqua e invernal, ouvir novamente o zunido do vento e Vivaldi a encantar numa estação sem fim.
Nagib Anderáos Neto
nagib@sobloco.com.br
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