Monday, May 02, 2011

Afastando a Depressão

Recentes pesquisas relacionam senilidade com vida rotineira. Fazer tudo sempre da mesma maneira entorpece a livre manifestação da inteligência tornando os movimentos mentais muito lentos pelo desuso, da mesma forma que o sedentarismo leva às restrições físicas. A mente, como o corpo, deve exercitar-se fugindo da rotina, criando novas atividades.

A rotina traz a depressão, o vazio e a tristeza, fracassando a capacidade de iniciativa e submergindo a pessoa no marasmo do tédio e na desconfortável sensação de inutilidade. Aproveita-se o tempo fugindo dela, rompendo com os hábitos, as mesmices, os preconceitos; ganhar tempo é ganhar vida pela renovação.

Ao agir mecânica e rotineiramente, não se pensa no que se faz, vive-se distraída e esquecidamente. É necessário criar o hábito de pensar, aperfeiçoar o que se faz e colocar novas atividades na vida. Não sejamos como Sísifo, o trágico herói mitológico condenado a realizar por toda a eternidade um trabalho inútil e sem esperança. Ele fora condenado pelos deuses a empurrar sem descanso uma enorme pedra até o alto de uma montanha de onde ela rolaria encosta abaixo para que o absurdo herói descesse em seguida até o sopé e empurrasse novamente o rochedo até o alto, indefinidamente, numa repetição monótona através dos tempos. O inferno de Sísifo é a trágica condenação de estar empregado em algo que a nada leva. Ele amara a vida e menosprezara os deuses e a morte. Por tal insolência fora castigado a realizar aquele trabalho inútil. Sua rebeldia poderia ter sido motivo de admiração pela insurgência contra o espectro da morte e o poder dos deuses, mas foi castigado por uma justiça duvidosa.

Não seríamos todos Sísifos? Não estaríamos empenhados num grande esforço e sacrifício que poderiam não estar levando a nada como o sisifismo mitológico? Talvez nosso trabalho seja uma condenação e a vida uma tragédia rotineira, e Sísifo, num lampejo de consciência, tivesse reconhecido o peso de seu infortúnio representado pelo enorme rochedo da materialidade e da inutilidade; considerado que se assemelhara ao rochedo, e que seria necessário reverter aquele processo monótono, mudando a rotina absurda de dias, anos e séculos. Preso, no entanto, à mitologia, criado que fora para cumprir aquela finalidade pedagógica, nada pudera fazer. Ele prosseguiu no seu tormento para que pudéssemos superar o nosso. É um herói trágico e absurdo.

Para o homem existe a possibilidade de modificar a rotina tediosa e lançar ao longe o rochedo das misérias, da ignorância e da inconsciência; deixar de repetir os dias, os anos e as vidas sem variação alguma para construir um destino renovado. A pedra de Sísifo tem hoje outros nomes e é inútil o trabalho de erguê-la. Deixemos que o rochedo role ladeira abaixo e que ele prossiga como mito. Pensemos que poderemos superar aquele trabalho rotineiro modificando a vida, o presente, o passado e o futuro. Transformemos a vida renovando e aperfeiçoando os pensamentos, criando novas atividades e superando as condições pessoais.

Tudo deve mudar na vida, e mudar para melhor. Se não se pode alterar os desígnios de uma Vontade superior que determina um tempo para ela, a trajetória dos astros e o ritmo do Universo, há um amplo espaço de liberdade para se movimentar, desde os obscuros níveis da ignorância até as alturas inefáveis do conhecimento. Para mudar é necessário querer. E saber aonde se quer chegar. Querer é poder, literalmente, pode nada significar. Saber é poder.

Diante dos momentos difíceis que a vida apresenta, sentimos a necessidade de mudá-la, transformando-nos: hábitos, maneira de pensar, pensamentos. Por mais cultura que se tenha, percebe-se que algo falta: um conhecimento que habilite a ser artífice do destino; isto as escolas não ensinam. Ignorando os meios que poderiam tornar a vida melhor, corre-se o risco de ser, a cada dia que passa, uma pessoa pior. O fato de se querer muda-la não significa nada se não sabe como fazê-lo. Seria indispensável aprender a pensar e a mudar a natureza dos pensamentos que há na mente. Onde está esse conhecimento?

Muitos são os que andam em busca da panacéia universal, os que entregam seus problemas e intimidades a conselheiros duvidosos caindo no mutismo cético da desilusão. É possível que a resposta que buscaram ingenuamente por todas as partes estivesse escondida neles próprios.

Saber é poder. E quando não se sabe, é necessário procurar quem ensine a caminhar na direção do conhecimento, pois ele não se dá em pertinência, deve ser conquistado. O que pretende respostas prontas, conhecimento sem esforço, solução imediata para os problemas pessoais, acaba por engrossar a caravana dos iludidos, sempre prontos a se alimentar com o pão amanhecido e duro da tergiversação.

Saber ou não saber, eis a questão. A prerrogativa de ser existe. E como se chega a ser o que não se é? Como se chega a saber o que não se sabe? O que se quer saber? O que se quer chegar a ser? Uns querem ser ricos, outros admirados. Uns querem ser doutores, intelectuais, reconhecidos. E todos começam não sendo nada. E quando chegam a realizar os sonhos mencionados – e são muito poucos os que o conseguem – percebem que aquilo era pouco, não era o que imaginavam. Tudo fica parecendo um brinquedo velho, sem graça, imprestável; e volta-se ao ponto de partida. As reflexões básicas de Hamlet adquirem uma nova dimensão: o que eu quero ser? O que eu quero saber? O que preencheria o vazio da minha alma?Nesse momento, a reflexão sensata leva o indivíduo a voltar para si e encarar a realidade; não aquilo que se esforça por aparentar, mas aquilo que realmente é: uma pessoa eventualmente ilustrada, mas pouco provida do conhecimento essencial, pois pouco conhece sobre si, as causas dos desacertos, tristezas, desentendimentos. Descobre que para ser o que não é deve se conhecer para vislumbrar o que pretende. Desenha-se na mente um processo de superação cujo paradigma é ele mesmo e não os outros; que deve buscar ser melhor ao invés de superior aos outros; saber com que recursos conta e o que deve ser aperfeiçoado em sua estrutura psicológica e espiritual. Ser ou não ser? Saber ou não saber? É possível que a reflexão profunda e sincera contenha em sua formulação a resposta.

A vida deve ter um significado. Não se pode deixar que os dias se esterilizem numa sucessão de fatos repetidos e sem importância. Para vencer essa rotina, será necessário assumir o governo dela criando uma autoridade e uma disciplina interiores que conduzam a pessoa para um contínuo aperfeiçoamento; será necessário viver fatos e experiências durante as horas, os dias, os meses e os anos que se constituam atos dignos de uma vida ampla e generosa na qual se possa experimentar a verdadeira sensação de existir.



NAGIB ANDERÁOS NETO
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