Tuesday, October 31, 2006

De Sócrates a Spinoza

Para Spinoza, Deus é razão (Logos), como também coração e amor; é a fusão da suprema razão e do supremo amor. Com uma visão filosófica prática, objetiva, experimental, ele difundiu que é importante que a verdade seja experimentada e não somente estudada, pois nessa verdade experimentada surge a compreensão do amor – experiência pura – distante dos raciocínios e dos esquadrinhamentos intelectuais.
Estudar teorias e acreditar em dogmas nada tem a ver com a visão objetiva de Spinoza.
As tradições de qualquer espécie contrariam a evolução; o teorizar e o acreditar congelam-se numa imobilidade temporal e assemelham-se à rigidez cadavérica daquilo que deixou de viver.
Na ética de Spinoza encontramos a questão da liberdade ou do livre arbítrio como algo a ser conquistado. Liberdade e responsabilidade encontram ali gritante interdependência: quanto mais livre é um ser, mais responsável ele é. E essa liberdade estaria ligada ao grau de consciência, de conhecimento, de responsabilidade e existiria, em pequeno, no homem, por conter esse ser, em sua essência, a pequena chama da Consciência Universal. Em sua essência, o homem é livre. E por mais que queira estar totalmente afastado ou totalmente aproximado de Deus, não o consegue, pois não pode negar o que faz parte dele e nem aceitar, passivamente, o que não conhece. Em outras palavras, a crença e o ateísmo são pólos que se tocam na negação absoluta de Deus que o próprio crente, num caso ou no outro, não consegue compreender.
Existe um paralelismo gritante entre o pensamento de Spinoza e o de Sócrates, apesar do abismo intelectual e espiritual no qual se submergiu a humanidade nos séculos que os separaram.
Sócrates dizia que o homem não era o visível, o compacto, o tocável, senão o invisível, o da essência. Afirmava que todo o ser humano tinha em seu interior tudo para crescer, para se desenvolver. E que ele deveria conhecer primeiro a si mesmo, e depois as coisas que o cercam; que o princípio da sabedoria consistiria no reconhecimento da própria ignorância.
Sócrates, como Spinoza, foi condenado pelo poder político local, que não diferia do religioso, como no caso do pensador de Amsterdã, por opor-se ás idéias dos dirigentes, por não cultuar as suas personalidades e nem as divindades do Estado, por ser um opositor das autoridades constituídas.
Apesar de ter a oportunidade de fugir, estratagema de um amigo que lhe preveniu sobre a morte iminente, não o fez “Sócrates é imortal. Podem matar o invólucro de Sócrates, mas Sócrates é imortal”. E enfrentou a morte com serenidade. Possivelmente tenha compreendido que a verdadeira morte fosse o não pensar, a submissão aos pensamentos já pensados por outras pessoas e à cruel ditadura dos mercadores da verdade.
Para Spinoza, a verdadeira salvação consistiria no conhecimento, que é oposto ao fenomênico e ao sobrenatural que forjam a base do ateísmo.
Não pode haver um Deus ou um conhecimento propriedades de algum agrupamento previamente eleito ou escolhido, porque Deus e o conhecimento não são contingentes e nem privilégios de ninguém, por serem imanentes. E se Deus é também a Natureza e se manifesta através de nossa mente, todo conhecimento, qualquer que seja a sua hierarquia, tem a ver com Deus, que não é e não pode ser pessoal, personalizado, e é muito mais, muito maior, que sua própria criação.
Voltando às digressões iniciais de Spinoza, como, então, experimentar a verdade, e não somente esquadrinhá-la como vimos fazendo nos parágrafos anteriores? Como, então, fugir da cega fé que, no dizer de Nietzche, é sacrifício de toda a liberdade, de toda independência de espírito?
Para experimentar a realidade de ser, de existir, seria necessário experimentar a realidade da própria transformação psicológica, partindo do básico, que é o conhecimento dos pensamentos que habitam nossa mente e movem as nossas atitudes, a sociedade e todo o mundo. Seria necessário reverter o autoritarismo do império dos pensamentos que nos governam, apesar de imaginarmos que somos donos de nossa própria vida. Esta seria a verdadeira alavanca de Arquimedes.
“Apesar de filósofos e sábios haverem exercido, tanto na antiguidade como nas idades moderna e contemporânea, a faculdade de pensar, nenhum deles atribuiu jamais vida própria aos pensamentos, nem declinou que pudessem reproduzir-se nem ter atividades dependentes e independentes da vontade do homem.”
Com essas palavras, o pensador Gonzalez Pecotche enfeixa e resume a dramática questão que nos atormenta há tanto tempo: como sair do labirinto que criamos e experimentar, de fato, a realidade de ser e de existir?
Como Sócrates, continuamos perambulando pelas ruas a nos perguntar, e aos nossos concidadãos, sobre a liberdade e seu significado.
Talvez agora, depois de tanto tempo, possamos esboçar uma resposta. Talvez agora.

Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br
andergatti@terra.com.br

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